quinta-feira, 9 de setembro de 2010

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL I

Leitura Obrigatória: DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª ed. rev., atualizada de acordo com o código civil de 2002 e aumentada por Rui Bedford Dias. Rio de janeiro: Renovar, 2006, p. 919/939 e 944/949.

Leitura Complementar: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 63/65 – 291/300.

1. Roteiro de Aula.

Até o presente momento viemos tratando da imputação da responsabilidade. Contudo, é imprescindível estudar as formas de defesa do autor do dano. Isto é, é importante examinarmos as causas de isenção ou exoneração da responsabilidade.

As causas de exoneração, em regra, atuarão no nexo de causalidade. Em outras palavras, as hipóteses de exclusão de responsabilidade, normalmente, interromperão o nexo causal dirigido à produção do dano.

Dessa forma, o estudo do nexo de causalidade toma grande relevância dentro da responsabilidade civil, especialmente se considerarmos o alargamento das hipóteses de responsabilidade sem culpa.
Geralmente são elencadas como excludentes de responsabilidade: i) estado de necessidade e legítima defesa; ii) culpa exclusiva da vítima; iii) fato exclusivo de terceiro; iv) caso fortuito ou força maior; e v) cláusula de não indenizar.

Estado de necessidade e legítima defesa
Nem sempre haverá coincidência entre dano e ilicitude. Existem situações que exigem uma atuação danosa do agente, apesar de não serem considerados atos ilícito. Nos termos do art. 188 do Código Civil, quem pratica ato em estado de necessidade ou legítima defesa não pratica ato ilícito. 

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

A legítima defesa ocorre quando o agente, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Trata-se de uma hipótese de autotutela. Ou seja, quando não é possível esperar a atuação estatal na defesa de um direito, é concedido ao particular defendê-lo.

O estado de necessidade, por sua vez, ocorre quando alguém deteriora ou destrói coisa alheia ou causa lesão em pessoa, a fim de remover perigo iminente. Registre-se que, conforme dispõe o parágrafo único, o ato só será legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, sendo vedado o excesso ao indispensável para a remoção do perigo.

A questão que se coloca é: se a legítima defesa e o estado de necessidade são excludentes de ilicitude, fica excluída, também, o dever de indenizar? A resposta é no sentido negativo. Embora a lei declare que o ato praticado em estado de necessidade ou legítima defesa não é ato ilícito, nem por isso libera quem o pratica de reparar o prejuízo.

No caso de estado de necessidade, o autor do dano responde perante o lesado, se este não criou a situação de perigo. Todavia, caso a situação de perigo tenha sido criada por um terceiro, terá ação regressiva em face do terceiro. É o que se extrai da conjugação dos arts. 929 e 930 do Código Civil.

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Na hipótese de legítima defesa, a solução é um pouco diferente. Se o ato foi praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não pode o agente ser civilmente responsabilizado pelos danos causados. Entrementes, se o dano foi causado a terceiro, então aquele que atuou em legítima defesa será obrigado ressarcir o lesado, cabendo, é claro, ação regressiva contra o agressor. A solução está prevista no parágrafo único do art. 930.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).

A idéia que está na base destas situações reguladas no direito privado aflora do mesmo modo em outras situações compreendidas no direito público, como as desapropriações, cuja disciplina cabe ao direito administrativo. A utilidade pública de certos fins legitima a apropriação coercitiva dos bens dos particulares por parte do Estado; mas não justifica que a realização do fim de utilidade pública visado pela apropriação coercitiva da coisa se obtenha à custa discriminada de um ou alguns particulares. 
Se o ato lesivo é lícito, ao mesmo tampo não é justo (no plano da justiça comutativa ou distributiva) que ao interesse coletivo, ou ao interesse qualificado da pessoa, se sacrifique sem nenhuma compensação os direitos de um ou mais particulares. 

Culpa exclusiva da vítima e Culpa concorrente
Se é certo que só se responde perante o dano a que tenha dado causa, é certo, também, que ninguém pode ser obrigado a indenizar por um resultado a que não tenha causado.
Nesse diapasão a primeira causa de exclusão é o chamado fato exclusivo da vítima, também denominado culpa exclusiva da vítima. A conduta da vítima poderá importar ou na exclusão da responsabilidade ou na atenuação no dever de indenizar. Antes, porém, é preciso alertar acerca da terminologia em si.

Apesar do código e da doutrina se utilizarem da expressão culpa, em verdade, a questão de fundo é a causa. Em outras palavras, o problema desloca-se da culpa para o nexo causal. Com efeito, a responsabilidade será excluída em razão da conduta danosa ser oriunda da própria vítima e não da sua culpa. Sendo assim, não é o grau de culpa, mas a efetiva participação na produção do evento danoso que deve determinar o dever de indenizar.

Quando ocorrer fato exclusivo da vítima, portanto, fica eliminada a responsabilidade do agente em razão da interrupção do nexo de causalidade. Ou seja, nesse caso deixa de existir a relação de causa e efeito entre o ato do agente e o prejuízo experimentado pela vítima.

Todavia, o ato da vítima pode não ser suficiente para a produção do dano, mas somente quando aliada à conduta do agente. Nesses casos, estaremos discorrendo acerca da chamda culpa concorrente. Nesse peculiar, a conduta do agente e da vítima concorrem para o resultado em grau de importância e intensidade de sorte que o agente não produziria o resultado sozinho, contando, para tanto, com o efetivo auxílio da vítima. Isto é, autor e vítima contribuem para a produção de um mesmo fato danoso.
Registre-se que na culpa concorrente a conseqüência jurídica será diferente, pois não será excluída a responsabilidade, mas apenas atenuada, nos termos do art. 945 do Código Civil.

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano

Não obstante o Código fale em culpa concorrente, é pertinente a crítica referente à culpa exclusiva. Em verdade a culpa concorrente também atua no plano da causalidade, pois diz respeito à conduta da vítima.

Fato exclusivo de terceiro
Por outro lado, é possível que o dano seja produzido não em razão da conduta do agente ou da vítima, mas da conduta de um terceiro. Nesse sentido, o fato de terceiro também pode servir como fator de isenção de responsabilidade.

Terceiro é qualquer pessoa além da vítima e o responsável, ou seja, alguém que não tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e nem com o lesado.

É preciso esclarecer que nem todo fato de terceiro é suficiente para elidir a responsabilidade do agente. Com efeito, em matéria de responsabilidade civil, predomina o princípio da obrigatoriedade do causador direto em reparar o dano. O fato de terceiro não exonera o dever de indenizar, mas permite a ação de regresso em face do terceiro.

Contudo, o fato de terceiro irá exonerar o dever de indenizar quando realmente constitua causa estranha ao causador aparente do dano, isto é, quando elimine totalmente a relação de causalidade entre o dano e o desempenho do agente. 

Ressalte-se que se houver culpa concorrente do terceiro e do agente causador direto do dano, sendo solidária a responsabilidade, a vítima poderá acionar qualquer um deles pela totalidade do prejuízo.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

É de se registrar duas questões de direito processual no que tange a fato de terceiro. A primeira diz respeito à defesa do réu. A sua alegação é matéria de mérito em ação indenizatória e, portanto, não pode ser suscitada em preliminar de ilegitimidade passiva. É necessária a instrução probatória para se alcançar qual foi, efetivamente, a causa geradora do dano.

Outra questão processual que se coloca diz respeito à denunciação da lide. O art. 70, III do CPC determina que a denunciação da lide é obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

A questão sobre a obrigatoriedade da denunciação é controvertida. Ela pode ser feita apenas para efeito de regresso. Mesmo assim, há os que interpretam de forma restritiva o art. 70, III do CPC, não admitindo a denunciação em todos os casos em que há direito de regresso, mas somente quando se trata de garantia do resultado da demanda, ou seja, quando, resolvida a lide principal, torna-se automática a responsabilidade do denunciado, independentemente de discussão sobre sua culpa ou dolo. 

2. Caso gerador.

Maria, moradora de Botafogo e correntista do Banco Nossa Vida S/A, ao se dirigir a uma das agências bancária para pagar contas no caixa eletrônico, foi surpreendida com o comunicado de que não poderia utilizar o cartão eletrônico de sua titularidade para pagamento.

Inconformada com a situação, pois sempre honrou com todas as suas dívidas, Maria se dirigiu à sua agência e lá se surpreendeu com o saldo constante do extrato bancário que lhe era favorável em R$ 3.000,00 (três mil reais), desconhecendo sua origem. Ao procurar esclarecimentos junto ao gerente da agência, lhe foi informado que aquela quantia correspondia ao saldo remanescente de um empréstimo de R$ 9.000,00 (nove mil reais), contra os quais foram sacados diversos valores através do cartão REDE SHOP em várias cidades do interior paulistano, tratando-se, assim, de clonagem de cartão.
Tomadas as providências cabíveis em relação ao empréstimo indevido, recebeu um novo cartão com chip, que sequer chegou a desbloquear. Novos saques, contudo, foram efetuados, tornando negativa a conta da Autora em R$ 900,00.

Cansada da situação, Maria ingressou com ação pleiteando danos materiais e morais. Em defesa o Banco Nossa Vida alega que agiu licitamente e de forma devida, não configurando nenhum dano à Recorrida. Aduz, ainda, que o dano foi causado por quadrilhas, que cada vez mais especializadas, conseguem criar novos artifícios fraudulentos, visando ao favorecimento de criminosos e dando prejuízos de toda ordem.

Como você, juiz da demanda, decidiria?


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