segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Bloqueio on-line de contas passa de R$ 196 mi em 2005 para R$ 17,7 bi em 2008

Bloqueio on-line de contas passa de R$ 196 mi em 2005 para R$ 17,7 bi em 2008

Pelo sistema, BC repassa aos bancos ordens de bloqueios de contas feitos pela Justiça; advogados veem risco de levar empresas à falência

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL 

Nos últimos quatro anos, os juízes bloquearam pela internet R$ 47,2 bilhões em contas bancárias para garantir o pagamento de dívidas judiciais. A medida alcança principalmente empresas que enfrentam processos trabalhistas e devedores contumazes. Em 2005, o bloqueio on-line pela Justiça foi de apenas R$ 196 milhões.
Trata-se da penhora on-line, ou Bacenjud. É o sistema pelo qual o Banco Central repassa aos bancos pedidos de informações e ordens de bloqueio de contas feitos por juízes. As respostas chegam em 48 horas.
O modelo sofre críticas de advogados, que veem ameaça ao direito de ampla defesa e risco de levar empresas à falência. Para juízes entusiasmados com a nova ferramenta, está mais difícil para o mau pagador processado por dívidas não honradas afirmar que deve, não nega, e só paga quando puder.
Até 2008, a Justiça do Trabalho liderava o confisco eletrônico. Os tribunais estaduais já aparecem como os maiores usuários do sistema. A legislação deixa a critério do juiz usar o papel ou o meio eletrônico, embora defina o segundo como preferencial. No ano passado, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) obrigou o cadastramento no Bacenjud de todos os juízes envolvidos com o bloqueio de recursos financeiros.
"O Bacenjud revolucionou o Judiciário. No Brasil, ninguém cumpria decisão judicial", diz o juiz Rubens Curado, secretário-geral do CNJ.
"A penhora on-line ajuda a acabar com a ideia de que é possível dever, não pagar e não acontecer nada", diz o juiz Tadeu Zanoni, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco (SP). Nos últimos seis meses, Zanoni fez 562 penhoras on-line.
Pela ordem, a preferência para a penhora é: dinheiro, imóveis e veículos. Desde junho último, os juízes paulistas podem usar a internet para agilizar a penhora on-line de imóveis. O sistema é operado pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo. Segundo o juiz Walter Rocha Barone, do Tribunal de Justiça de São Paulo, já foram feitas mais de 26 mil consultas e 631 averbações.
Desde 2008, os juízes podem acessar pela internet a base de dados do Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores) e determinar ao Detran o bloqueio de veículos para pagamento de dívida judicial.
Apesar das resistências, o sistema veio para ficar. Em 2003, o PFL (hoje DEM) questionou no STF (Supremo Tribunal Federal) a constitucionalidade da penhora on-line. Alegou risco de quebra do sigilo bancário e que pessoas e empresas eram "submetidas a tratamentos degradantes e coativos".
O BC defendeu o "revolucionário mecanismo de persuasão de devedores contumazes" e revogou alguns dispositivos impugnados. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC entrou como parte interessada na ação. Sustentou que a categoria foi diretamente beneficiada pelo Bacenjud, que "diminui as chances de burla" no cumprimento das decisões judiciais na área trabalhista.
Parecer do então procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, sustenta que o sistema apenas substitui o que era feito no papel e "não afronta nenhum dos princípios do Estado Democrático de Direito". Souza pediu a rejeição da ação, cujo relator é o ministro Joaquim Barbosa.
"O bloqueio on-line seria justo se fosse aplicado a todos os devedores", diz o advogado Walter Ceneviva. "A magistratura não impõe ao Executivo a obrigação de pagar o que deve, como os precatórios que se arrastam por vários anos, mas usa indiscriminadamente o Bacenjud para facilitar a cobrança dos créditos do poder público", diz.

Abusos
O advogado Ives Gandra Martins diz que "tem havido muito abuso". "A penhora on-line só deveria ser utilizada em última instância, pois pode levar uma empresa à falência, ao bloquear, no final do mês, dinheiro que iria para fornecedores e empregados", diz.
Quando o juiz não tem a indicação prévia da conta bancária e da agência do devedor, a penhora on-line bloqueia todas as contas em diferentes bancos. Ou seja, na fase inicial, a medida pode superar o limite a ser apreendido. No caso de empresas, suspende o pagamento de cheques e débitos em conta para fornecedores e salários.
Atendendo a pedido do grupo Pão de Açúcar, em 2008 o CNJ estabeleceu que empresas e pessoas físicas podem cadastrar uma conta única para evitar os bloqueios múltiplos. O cadastramento é feito nos tribunais superiores e o interessado se compromete a manter valores na conta para atender às ordens judiciais. Já há 4.000 contas únicas cadastradas.
"O instituto é bom, veio para agilizar o processo. As pessoas escondiam os bens. Mas é preciso regulamentar, para evitar problemas", diz Marco Antonio Hengles, da OAB-SP. Ele cita procuradores de empresas que, não sendo devedores, têm o patrimônio pessoal bloqueado.
Rubens Curado, do CNJ, responde: "Se há problemas, devem ser discutidos caso a caso com o juiz. O sistema é um mero meio eletrônico. Isso também ocorreria com papel", diz.

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