segunda-feira, 29 de março de 2010

O Regime Condominial da União Estável e a Importância de sua Comunicação ao Serviço Registral Imobiliário

O Regime Condominial da União Estável e a Importância de sua Comunicação ao Serviço Registral Imobiliário
Eliane Mora De Marco

1. O REGIME CONDOMINIAL DA UNIÃO ESTÁVEL.

O regime condominial da união estável foi estabelecido pelo artigo 5.º da Lei n.º 9.278/96, na função de preencher a lacuna deixada pela Lei n.º 8.971/94, que apenas tratou de alimentos e sucessão.

Quando, em 1994, surgiu a primeira Lei que regulamentou o artigo 226, par. 3.º, da Constituição Federal, dúvidas surgiram quanto aos direitos dos companheiros em relação aos bens havidos durante a união, quando esta se encerrava por vontade dos companheiros, já que na referida lei o legislador cuidou apenas da meação post mortem, no artigo 3.º que diz: "Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro(a), terá o sobrevivente direito a metade dos bens".

Dessa forma, até o momento anterior ao da promulgação da Lei nº 9.278/96, a matéria era solucionada da forma como vinha sendo tratada há muito tempo.

Podíamos observar a tentativa dos tribunais brasileiros de remediar as diversas situações que surgiam ante a ausência de uma legislação que tratasse da matéria com justiça e eqüidade. Uma delas, por exemplo, ocorria quando os bens dos companheiros eram adquiridos em nome do varão, ficando a mulher sem qualquer proteção quando ocorria a separação entre eles.

Várias posições doutrinárias e jurisprudenciais existiram ao logo dos tempos, começando por aquela que negava qualquer efeito jurídico ao concubinato. Aos poucos, esse posicionamento perdeu força e cresceu cada vez mais a idéia de atribuir efeitos patrimoniais a essa forma de união.

Um marcante posicionamento era aquele que beneficiava a companheira ao fim do relacionamento à indenização por serviços domésticos prestados ao companheiro na constância da união, idéia hoje também ultrapassada. Nesse sentido, podemos citar as seguintes jurisprudências:

"Concubinato - Concubina que prestou trabalhos profissionais em prol do companheiro - Reconhecido o seu direito em receber o seu quinhão sobre o patrimônio adquirido pelo de cujus, para o qual ela definitivamente contribuiu - Direito reconhecido a uma parcela do patrimônio ainda que a prestação de serviços fosse de natureza doméstica, contribuindo com seu esforço para a formação de um patrimônio comum - Voto vencido" (Resp 61.363-9-4.ª T., j. 14.8.95- Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar - DJU 25.9.95).

"Concubinato - Indenização por serviços prestados - Admissibilidade - Valor - Média do serviço doméstico prestado, tendo como base o salário mínimo" (Ap. 38.313-5/188 -1.ª T., j. 13.2.1996 - rel. Des. Castro Filho).

"Prestação de serviços - Pagamento de um salário mínimo mensal pelo período de 20 anos - Desconto na folha de pagamento do devedor - possibilidade - Caráter alimentar da prestação para atender às necessidades básicas da concubina - Violação ao CPC, art. 649, IV, incorrente - CPC - art. 734 (3.ª CC TJPR, AI n.º 259/89, v.u. em 29-8-89, Rel. Des. Silva Wolff, PR Jud. 31/55).

Outra solução dada pelos tribunais era a de dividir o patrimônio apenas quando comprovada a colaboração mútua entre os companheiros (Súmula 380), caso contrário, pertenceria àquele que provasse a propriedade. Podemos citar as seguintes jurisprudências:

 

"Concubinato - Meação de bens - deferimento que depende de prova da eficaz colaboração da concubina na atividade geradora dos bens adquiridos pelo companheiro" (Ap. 008.941.4/7-00 - Segredo de Justiça 6.ª Câm. - j. 20.11.1997 - rel. Des. Ernani de Paiva).

"Concubinato - Dissolução e partilha de bens - Necessidade de comprovação de contribuição para a formação do patrimônio - Inteligência do par. 3.º, do art. 226, da CF - Voto Vencido" (Ap. 258.326-1/9-1.ª Câm.- j. 10.09.1996 - rel. Des. Guimarães e Souza).

"Provada a existência do concubinato e a efetiva participação da mulher na formação do patrimônio do companheiro, ainda que de forma indireta, reconhecível é o direito daquela à partilha dos bens, ao se dissolver a sociedade de fato" (Ac. Unân., 6.ª Câm. Cível do TAMG, Ap. n.º 104.927-4, j. em 18.02.91, Rel. Juiz Herculano Rodrigues).

Assim sendo, segundo este último entendimento, o companheiro(a) que, após a dissolução da união de fato por motivo de separação em vida, desejasse perceber sua metade sobre os bens adquiridos na constância dessa união, precisaria provar que colaborou, de uma forma ou de outra, na aquisição dos mesmos. O ônus da prova cabia, assim, ao requerente, o que muitas vezes tornava-se impossível devido às dificuldades de se provar tal colaboração.

O importante papel do artigo 5.º da Lei n.º 9.278/96 foi justamente o de inverter esse ônus de prova, ao fazer presumir a colaboração dos companheiros na aquisição do patrimônio comum, durante a união estável. Diz o artigo: "Os bens móveis ou imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito".

Dessa forma, agora cabe ao outro companheiro negar a participação daquele que pleiteia a metade dos bens, caso discorde.

Assim, a Lei confere tanto à companheira quanto ao companheiro o direito à metade dos bens, móveis ou imóveis, adquiridos a partir do momento em que se iniciou a união estável. Não é preciso que haja prova de colaboração mútua, pois como diz o artigo 5.º, já "são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum".

O simples fato de terem se unido estavelmente já dá a entender que ambos colaboraram, direta ou indiretamente, na formação do patrimônio comum. A assistência moral e material recíproca é um dos deveres dos conviventes, o que de certa forma faz presumir uma mútua colaboração na formação de tudo o que possuem conjuntamente.

Pouco antes da chegada da Lei n.º 9.278, alguns julgados já apontavam nesse sentido, conferindo à mulher direitos patrimoniais pelo fato de viver em união estável com seu companheiro, sendo que apenas este trabalhava fora e adquiria bens em seu próprio nome. Passou-se então a considerar que a colaboração da mulher poderia vir não apenas de um trabalho de cunho pecuniário, como um emprego fora de casa ou serviços domésticos prestados, mas também poderia vir de uma assistência moral e psicológica, de grande importância para o sucesso profissional do companheiro. Podemos citar algumas jurisprudências que refletem o pensamento que antecedeu o artigo 5.º da Lei n.º 9.278/96, como as que seguem:

"Patrimônio adquirido durante a união estável. Sujeição aos princípios do direito de família. Participação da mulher. Desnecessidade de ser direta, ou pecuniária, ainda à luz da Súmula 380 do STF. Mancomunhão. Direito à partilha. Aplicação do art. 226, par. 3.º da CF. Adquirido patrimônio durante a união estável, sujeita aos princípios jurídicos do direito de família, tem os concubinos, ou ex-concubinos, direito à partilha, ainda que a contribuição de um deles, em geral a mulher, não haja sido direta, ou pecuniária, senão indireta, a qual tanto pode estar na direção educacional dos filhos, no trabalho doméstico, ou em serviços materiais doutra ordem, como na ajuda em termos de afeto, estímulo e amparo psicológico".

Tendo iniciado a união estável entre os de cujus em julho de 1973, a partir daí todos os bens adquiridos pelos companheiros devem ser partilhados, desimportando tenha havido esforço comum na aquisição do patrimônio. Elevada a união estável à categoria de entidade familiar, não há como prevalecer o enunciado contido na Súmula 380 do STF, que exigia a comprovação da contribuição" (Ac. Unân., j. em 10.11.94, Rel. Des. Eliseu Gomes Torres, RJTJRS 170/296).

Dessa forma, o estabelecimento do Regime Condominial na união estável trouxe importantes modificações sobre o patrimônio dos companheiros, sendo que a mais importante é a dispensa da necessidade de prova de que um ou outro tenha colaborado na aquisição desses bens. A colaboração mútua já é levada em conta pelo simples fato de estarem unidos.

De qualquer forma, no entanto, a colaboração mútua entre os companheiros continua sendo exigida implicitamente no artigo 2.º da nova Lei, ao tratar dos direitos e deveres comuns. Quando fala em consideração mútua, assistência moral e material recíproca, guarda, sustento e educação dos filhos comuns, o legislador deixou claro que, para a caracterização da união estável, deverão os companheiros ter se revestido desses caracteres, que nada mais é do que a colaboração mútua. Esta apenas mudou de nome. O que fez o legislador, como dissemos, foi abolir a necessidade de prova da colaboração mútua, de se saber, por exemplo, qual a porcentagem de colaboração de cada um na aquisição dos bens.

O que se conclui é que no momento em que se prova a existência da união estável em juízo, a fim de receber a devida tutela da lei, já está se provando a colaboração mútua implícita no art. 2.º da Lei n.º 9.278/96.

Outra importante modificação foi a idealização de um condomínio existente entre os companheiros, no que se refere à propriedade dos bens adquiridos durante a constância da união e sua respectiva administração. Se nada dispuserem de outra forma em contrato escrito, tudo o que foi adquirido enquanto durou a união pertencerá a ambos, na proporção de 50% para cada, independente do tanto que cada um colaborou e independente do nome de quem o bem foi adquirido.

Deve-se também destacar que o regime condominial abrange todas as ligações iniciadas antes do advento da Lei n.º 9.278/96, mas que perduraram após a promulgação da mesma. As que se encerram antes da promulgação devem ser regidas pela forma antiga, conforme demonstram os seguintes julgados:

"Concubinato - Penhora de imóvel do concubino - Ausência de prova documental sobre a data da aquisição do bem e da existência da união estável - Sentença executiva prolatada antes da vigência da Lei n.º 9.278/96 - Impossibilidade de excluir da constrição a meação da concubina" (Ap. s/ver. 458.333-00/1-5.ª Câm., j. 21.08.1996 - rel. Juiz Laerte Sampaio).

"... Por outro lado, inútil a referência da apelante à Lei 9.278/96, já que esta não se aplica ao caso em análise, por ter entrado em vigência somente após o falecimento do companheiro da recorrente, ocorrido no dia 12.10.1995..." (Voto do relator Antonio Nery da Silva. Ap. 43.196-2/188-1.ª Câm. - j. 14.10.1997).

Assim, unindo os elementos acima discutidos, podemos dizer que: regime condominial é o regime de bens que deve reger o patrimônio adquirido durante a constância da união estável, no qual cada um dos companheiros possui igual direito sobre o todo dos bens móveis e imóveis, presumivelmente adquiridos por ambos, existindo uma igualdade sobre as partes ideais do patrimônio, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

2. COMO SE ESTABELECE O REGIME CONDOMINIAL DA UNIÃO ESTÁVEL.

O regime condominial pode decorrer de várias situações ou momentos diferentes no decorrer da união.

A princípio, decorre do silêncio dos companheiros, que nada dispuseram em contrato escrito sobre o destino dos bens que venham a ser adquiridos durante o período em que viverão em união estável. Tal decisão, nesse caso, ocorre antes de iniciada a convivência.

No entanto, depois de iniciada a convivência, podem os companheiros, a qualquer momento, mudar de opinião e dispor de forma diversa em contrato escrito sobre os bens que já adquiriram e/ou que venham a adquirir dali para frente. Nesta última hipótese, pode-se observar que dois regimes de bens vigoram numa mesma união: o Regime Condominial até o momento da contratação e o regime decidido no contrato, que pode ser, por exemplo, uma proporção de 70% dos bens para o companheiro e 30% para a companheira.

Por outro lado, se for formalizado um contrato antes de iniciada a união estável a fim de que os bens pertençam a ambos de forma desigual, podem os companheiros, posteriormente, invalidar tal contrato, a fim de que o Regime Condominial passe a vigorar sobre todo o patrimônio já adquirido em conjunto e que ainda venha a integrá-lo.

Ou, ainda, tudo pode vir a ser decidido no momento da extinção da união estável, quando, então, a maioria das pessoas realmente se preocupa com o destino dos bens. No entanto, como veremos em seguida, a possibilidade de se estipular o regime de bens depois de encerrada a união não existe ou pelo menos, não seria conveniente existir .

Dessa forma, essas são as inúmeras possibilidades que existem na união estável para os bens, aliás, questionável diante da grande insegurança que esse tipo de liberdade coloca dentro de um relacionamento.

Já observado que o regime de bens ora em discussão pode ser escolhido pelos companheiros a qualquer momento, podemos agora analisar outros aspectos que envolvem o estabelecimento do Regime Condominial entre companheiros.

Primeiramente, tal regime é exclusivo da união estável, inexistindo em qualquer outra forma de união concubinária. Foi estabelecido pelo artigo 5.º da Lei n.º 9.278/96, que disciplina e dá os contornos do tipo de relação a ser regida pela Lei.

Assim, apenas aquelas convivências duradouras, públicas e contínuas, de um homem e uma mulher, estabelecidas com o objetivo de constituição de família, é que terão a proteção do artigo 5.º, ou seja, que serão regidas, presumivelmente, pelo Regime Condominial, caso os companheiros nada estipulem diversamente em contrato escrito.

As demais formas de uniões concubinárias não possuem essa proteção, posto que os bens aí adquiridos pertencerão àquele que provar a propriedade, ficando o outro sem direito a eles.

Outro aspecto a ser observado é que, apesar de a Lei n.º 9.278 ter deixado em aberto aquela liberdade de se estipular o regime de bens a qualquer momento, por outro lado conferiu aos companheiros que vivem em união estável a proteção de não se ver, ao fim da união, desprovidos de um regime de bens, ou melhor, desprovidos de qualquer estipulação a respeito do destino que os bens adquiridos na constância da união tomarão dali para frente. Em decorrência disso, não há a possibilidade de um companheiro ser prejudicado em relação ao outro quando a união se extinguir, já que a lei lhe assegura metade do patrimônio adquirido.

Por esse motivo, não concordamos com a idéia de que é possível contratar posteriormente à extinção da união, pois tal possibilidade fugiria da intenção do artigo 5.º da Lei n.º 9.278 de estipular, por força de lei, um regime de bens para os companheiros que não contrataram em momento oportuno sobre o que fazer com os bens. Se silenciaram durante a permanência da união, presume-se que acataram o Regime Condominial, que divide os bens na proporção de 50% para cada companheiro, não importando no nome de quem o bem foi adquirido.

Ao momento posterior da extinção da união estável não é mais facultado às partes escolherem sobre o regime de bens, pois o que vale é a vontade das partes antes de iniciada a convivência e a vontade que permaneceu durante a mesma.

Quanto aos bens que são atingidos pelo regime condominial, são abrangidos apenas aqueles adquiridos na constância da união estável, excluindo-se, portanto, os anteriores (artigo 5.º, parágrafo 1.º), e os posteriores e ainda, aqueles que foram adquiridos em momentos que os companheiros permaneceram separados. Assim, é preciso que haja a continuidade da relação para que incida a proteção da lei, sendo uma característica fundamental da união estável.

No entanto, se for comprovado que determinado bem foi adquirido por rendimentos auferidos antes de iniciada a união, tal bem também não entra na partilha, já que não houve, de forma alguma, a suposta colaboração mútua entre os companheiros. É como se esse bem já fizesse parte do patrimônio de um deles antes mesmo de iniciada a relação, apesar de ter sido adquirido depois.

3. DOS BENS REGISTRADOS EM NOME DE APENAS UM DOS COMPANHEIROS E DOS PROBLEMAS QUE DAÍ DECORREM.

Depois de termos analisado o que é o regime condominial da união estável e como este se estabelece, podemos observar que, diante do disposto no artigo 5.º da Lei n.º 9.278/96, é irrelevante que os bens estejam registrados apenas em nome de um dos companheiros. A partilha ocorrerá da mesma forma, sem qualquer prejuízo para o companheiro alheio ao registro, ou seus descendentes. Nesse sentido:

"Concubinato- Partilha dos bens registrados em nome da concubina. Ação proposta pelo espólio e por herdeiros do concubino. Os herdeiros do concubino, filhos havidos durante o seu casamento, têm direito à metade dos bens adquiridos durante a relação concubinária do pai, com recursos fornecidos por ele, embora registrados em nome da concubina, que fica com a outra metade " (STJ- 4ª T.; Resp. nº 91.993- DF; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; DJU 02.09.1996) RJ 231/78.

No entanto, esse efeito dominial que recai sobre os bens adquiridos pelos conviventes, independentemente do nome de quem os registrou, nos leva a um problema de difícil solução prática, a saber: um bem imóvel, adquirido a título oneroso, durante a constância da união e que, portanto, está sujeito à partilha, pode ser alienado por apenas um dos companheiros, sem a anuência do outro, já que o mesmo bem está registrado exclusivamente no nome daquele?

A princípio, responderíamos que não. Se o bem imóvel pertence a ambos, em condomínio e em partes iguais, não pode um único proprietário desfazer-se do todo sem o consentimento do outro condômino.

Não obstante, uma outra questão surge: pode o terceiro de boa-fé, que compra esse imóvel sem a anuência do outro companheiro, ser prejudicado por uma situação jurídica da qual não tinha conhecimento?

Como vemos, é um problema que envolve duas vítimas: o companheiro que não possui seu nome no registro e o terceiro de boa-fé que celebrou o negócio jurídico com aquele que parecia ser o único proprietário do bem imóvel.

Atualmente, levando em conta a interpretação da lei "ao pé-da-letra", a solução que tem sido dada para dirimir a questão é a de invalidar o negócio jurídico firmado com o terceiro de boa-fé, já que faltou a outorga de um dos companheiros, ou seja, há um vício de vontade a corroer a contratação de compra e venda. Nesse caso, o terceiro que desconhecia a comunhão dos aqüestos sai prejudicado, encontrando-se numa situação complicada, por conta de um ato fraudulento do companheiro que agiu de má-fé.

No entanto, discordamos de tal posição e acreditamos que o terceiro de boa-fé não pode ser prejudicado. Primeiro porque a própria lei não obriga que o registro do imóvel se dê em nome de ambos os conviventes, tornando o documento público válido mesmo quando estiver apenas em nome de um deles. Dessa forma, diante dos olhos do terceiro que analisa o registro e diante da própria lei, o mesmo está perfeito e, portanto, não pode ser questionado ou desfeito.

Segundo porque a responsabilidade pela informação da situação do imóvel recai sobre quem está vendendo e não sobre quem está comprando, uma vez que este não tem como saber da existência da união. Na maioria das vezes, os companheiros não celebram entre si qualquer contrato escrito e mesmo se o fizessem a lei não determina ao mesmo efeito erga omnes, por meio da obrigatoriedade de seu registro público.

Sob esse ponto de vista, restaria ao companheiro prejudicado mover uma ação de perdas e danos contra o outro companheiro que agiu de má-fé, resolvendo-se o problema entre eles.

Hoje, porém, diante da falta de uma normatização a respeito, soluciona-se a questão em prol do companheiro prejudicado, invalidando o contrato de compra e venda e muitas vezes o próprio registro.

 

4. ANTECEDENTES.

Diante do que foi acima analisado, podemos observar que com a prática do regime condominial, dúvidas surgiram a respeito da necessidade ou não da averbação no Cartório de Registro de Imóveis da situação de união estável em que vivem duas pessoas.

Não obstante, antes mesmo de surgir a questão, já se discutia a importância da contratação na união estável e o seu respectivo registro nos Cartórios de Registro Civil e Registro de Imóveis.

Tal contratação possui uma relevante finalidade de fazer valer os pontos ali constantes (alimentos, regime de bens etc.) não só em relação às partes que o celebram, mas também em relação à terceiros.

O assunto era tratado nos artigos 3º e 4º da Lei nº 9.278/96, que foram, no entanto, vetados pelo Presidente da República.

O artigo 4º, suprimido do bojo da Lei dizia que: "Para ter eficácia contra terceiros, o contrato referido no artigo anterior deverá ser registrado no Cartório do Registro Civil de residência de qualquer dos contratantes, efetuando-se, se for o caso, comunicação ao Cartório de Registro de Imóveis, para averbação" (grifo nosso).

Assim sendo, a Lei nº 9.278/96 facultava aos companheiros contratarem os pontos necessários a regerem a relação. No entanto, caso o fizessem, obrigava o registro do mesmo no Serviço Registral de Títulos e Documentos, bem como no Serviço Registral Imobiliário, caso abrangesse bens imóveis.

Não obstante, com os vetos, retirou-se a obrigatoriedade de registro do contrato, o que de certa forma é justificável. Caso permanecesse essa obrigação, não poderíamos mais falar em união livre, sem formalidades civis. Seria mais vantajoso, nesse caso, que os companheiros se casassem na forma da lei.

Por outro lado, se a obrigação permanecesse, parte dos problemas com terceiros alheios à união desapareceria, uma vez que a união estável se tornaria pública, ou melhor, uma vez que a contratação entre os companheiros passaria a ter efeito erga omnes.

No entanto, como dissemos, apenas parte dos problemas desapareceriam, já que a solução foi dada apenas àqueles que procedessem à contratação, tendo em vista que essa, segundo os artigos vetados, era facultativa. O problema persistiria àqueles que não realizassem formalmente o acordo.

Assim sendo, poderiam esses artigos representarem uma solução ao problema; porém, de forma incompleta, já que não resolveriam grande parte dos casos.

Uma outra interpretação que podemos analisar para solucionar a questão reside no artigo 167, II, 5, da Lei nº 6.015/73, ao dizer que:

Art. 167. "No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

II- a averbação:

5) da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas" (grifo nosso).

 Dessa forma, a norma é clara quando explicita a necessidade de fazer constar no registro todos os pontos importantes a ele e, por isso mesmo, nada mais importante que a constatação de todos os proprietários do bem.

Observando sob esse prisma, a comunicação da situação de união estável no Registro de Imóveis seria obrigatória. No entanto, não é o que ocorre na prática.

Por fim, acreditamos que nenhuma solução oferecida até agora aos problemas que decorrem da falta de comunicação da união estável ao registro imobiliário foi adequada ou suficiente.

5. A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO AO SERVIÇO REGISTRAL IMOBILIÁRIO E O PROJETO DE LEI N.º 2.686/96.

A solução mais fácil a evitar os problemas acima descritos seria a criação de uma lei que obrigasse todos os conviventes a realizar na matrícula do imóvel a comunicação do estado de união estável em que vivem.

No entanto, tal procedimento traz à tona um problema antigo, mas sempre atual, que continua sendo questionado por diversos juristas brasileiros: não estamos retirando ainda mais a liberdade daqueles que preferem se unir sem as formalidades civis?

É fato notório que cada vez que se procura "aprimorar" a situação daqueles que se unem estavelmente, mais entraves jurídicos são colocados em seu caminho, tornando a união informal cada dia mais formal.

Na verdade, há a necessidade de se legislar sobre a união estável sem deixar de lado os motivos que levam um homem e uma mulher a não optarem pelas formalidades civis, respeitando-se sempre esses motivos, que afinal de contas, nunca deixarão de existir.

Como então proceder?

Como vimos, atualmente não existe nenhuma normatização que resolva de maneira eficaz a questão, não havendo nada que obrigue a averbação da união estável no registro imobiliário. Por outro lado, também vimos que, se houvesse tal obrigatoriedade, lesionaria a própria existência do instituto.

Diante da cruel realidade dos fatos, enquanto não surgir uma lei que discipline a matéria sem grandes prejuízos ao terceiro de boa-fé e sem grandes prejuízos à razão de ser e de existir da união estável, podemos dizer que a grande importância da comunicação da união estável ao Serviço Registral Imobiliário, seja através da averbação do contrato firmado entre os companheiros, seja pela simples comunicação voluntária da união em que vivem, está justamente na necessidade de assegurar os direitos de um em relação ao outro, e de ambos em relação a terceiros, ante a falta de uma regulamentação adequada sobre o assunto, possibilitando evitar-se problemas futuros a envolverem os direitos sobre o bem.

Não se procedendo dessa forma, o nosso sistema pró má-fé fará com que o terceiro alheio à relação, que não tinha como saber que um outro proprietário existia, veja-se prejudicado por conta de uma relação jurídica que não tinha como conhecer. E o companheiro que havia sido ignorado poderá ver de volta o bem imóvel que lhe é de direito na proporção de 50%.

Por outro lado, apesar de ser hoje assim, não podemos ignorar que os registros imobiliários gozam de fé-pública, de onde decorre toda a sua utilidade jurídico-social. Destinam-se à autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Por isso mesmo acreditamos que o terceiro alheio à união estável não pode se ver prejudicado no caso ora em discussão. A presunção de boa-fé deve ser preservada, bem como a autenticidade do registro imobiliário. Mas como dissemos a pouco, atualmente isso só é possível caso os companheiros, voluntariamente, declarem sua situação no registro imobiliário.

Assim sendo, há uma aparente contradição na dinâmica do sistema, uma vez que, se por um lado deve ser respeitado o regime condominial com a mesma eficiência dos regimes de bens do casamento, por outro não se pode negar a fé-pública dos registros imobiliários em relação aos terceiros de boa-fé que adquirem o bem sem ter como saber da existência do segundo proprietário.

Diante desse dilema, procura-se uma solução plausível, que não arranhe a liberdade caracterizadora da união estável, que não coloque em dúvida a fé-pública dos registros imobiliários e que leve em consideração a boa-fé do terceiro adquirente do bem.

Felizmente, o artigo 5º do Projeto de Lei nº 2.686/96, que pretende revogar as leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96, parece contornar a questão de forma inteligente e simples, ao dizer que: "Nos instrumentos que vierem a firmar com terceiros, os companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade do bem objeto de negociação. Não o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados os interesses dos terceiros de boa-fé, resolvendo-se os eventuais prejuízos em perdas e danos, entre os companheiros, e aplicadas as sanções penais cabíveis".

A perspicácia da norma está justamente em não obrigar a constatação do nome de ambos os companheiros no registro imobiliário todas as vezes que adquirirem um bem, já que não se deve impor peculiaridades à união livre. Ao mesmo tempo, não permite o artigo que essa liberdade coloque em risco outras pessoas alheias à união.

Preservou-se a liberdade interna do companheirismo, uma vez que os conviventes apenas deverão mencionar a existência da união estável quando vierem a negociar com terceiros, alertando sobre a real situação do bem. Não o fazendo, serão aplicadas as sanções penais cabíveis e os terceiros de boa-fé não serão prejudicados.

Paralelamente, o registro imobiliário continua a gozar de fé-pública, mesmo quando o bem estiver registrado em nome de apenas um dos companheiros.

A norma, portanto, inova ao fazer prevalecer a boa-fé do terceiro adquirente e a eficácia do registro imobiliário. Inverte-se o prejuízo que agora não mais recai sobre o terceiro alheio à união estável, mas sim sobre quem não cuidar de esclarecer a real situação do bem imóvel.

Dessa forma, sendo aprovado o Projeto de Lei nº2.686, muitos problemas serão evitados, já que o Direito, mais uma vez, correu atrás dos fatos, regulamentando uma situação controvertida, objeto de discórdia na sociedade. Com isso, seu artigo 5.° atinge diretamente o ponto onde a má-fé dentro do companheirismo possa encontrar meios para se perpetuar.

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