quarta-feira, 17 de março de 2010

A REDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

A REDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

Novamente vêem-se no meio jurídico debates sobre tema de interesse penal: o conceito de menor potencial ofensivo. Isto ocorre diante da vigência do Estatuto do Idoso - Lei nº. 10.741/03, que completou dois anos de sua publicação em outubro de 2005. 

Chamamos a atenção para o art. 94. Prediz o festejado dispositivo: "Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal". 

Visualizando, prima facie, o dispositivo supramencionado e em sintonia com uma interpretação literal, somos levados à lembrança imediata do procedimento sumaríssimo previsto pela Lei nº. 9.099/95 (art. 77 a 83). Entretanto, quando se converge raciocínio lógico às mais recentes evoluções histórico-jurídicas, se percebe que a intenção do legislador ao elaborar a lei em discussão não se restringiu a estabelecer tão somente um procedimento que deveria se valer o Estatuto do Idoso, como meio de conferir simplesmente celeridade aos delitos perpetrados contra idosos, posto que se assim o fosse estaríamos diante, data venia, de uma interpretação tímida, quiçá ultraconservadora. 

Com a inserção do art. 94 do Estatuto do Idoso no universo jurídico visou o legislado a estender, em princípio, não somente o procedimento próprio da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099/95) aos delitos visualizados pela Lei nº. 10.741/2003 cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, mais também aos demais institutos de ordem especial que o envolve (v.g. a transação penal) previstos por aquela norma legal ao estatuto da melhor idade. Em segundo plano, e em observância paralela ao princípio da isonomia, entendemos que o surgimento do artigo em viso elasteceu a aplicabilidade das normas elencadas pela Lei nº 9.099/95 aos demais delitos não previstos pelo Estatuto do Idoso, cuja pena não exceda a 4 (quatro) anos. 

Assim, sobressai-se da interpretação do art. 94 que os crimes que não ultrapassem 4 (quatro) anos são suscetíveis de transação penal. Mas há de se dizer que já era corrente recente, e, ainda atual, a evolução do conceito dos crimes de menor potencial ofensivo. 

Conforme é cediço, a definição de crime de menor potencial ofensivo penetrou no mundo jurídico com a ascensão da Lei nº 9.099/95, onde em seu art. 61 predizia, in verbis: "Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial." 

Com o surgimento da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001 - que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal - foi redefinido o crime de menor potencial ofensivo, onde no parágrafo único do art. 2º considerou infração de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. 

Há de se dizer que com a aprovação da lei em julho de 2001, a qual dava nova conceituação aos delitos de menor lesividade, emergiram ao seu turno um flanco de resistência no tocante à aplicabilidade de tal parágrafo único a todos os crimes cuja pena não excedesse a dois anos. Entendiam alguns que tal dispositivo só se aplicaria aos crimes de competência da justiça federal cuja pena não excedesse a dois anos. Mas, em meio a meses de discussão que se seguiram à edição da lei, prevaleceu o raciocínio de que aquela nova definição se estendia também aos demais delitos que se encontrava dentro daquele limite penal. 

Ao seu turno, não se olvide que antes da nova definição de crime de menor potencial ofensivo trazida pela Lei nº 10.259/2001, tínhamos na órbita jurídica a Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998 (que nos vicejava as penas alternativas). Esta, que veio correndo por fora daquela redefinição, porém expandindo raízes na evolução histórico-jurídica quanto ao estudo da ofensividade ou lesividade das infrações penais, estabelecia, dentre outras medidas, que a execução da pena privativa de liberdade - não superior a quatro anos - poderia ser substituída por penas restritivas de direitos. 

Com o estabelecimento daquele patamar no que tange à execução penal (de quatro anos) para que o condenado alcançasse a suspensão condicional do processo, com efeito, o legislador reforçava a tendência jurídica de recepcionar como de menor gravidade os delitos cuja pena não excedesse, exatamente, a quatro anos, desde que se ausentasse do tipo penal a violência ou a grave ameaça. 

Ora, com o advento do Estatuto do Idoso a tendência legislativa foi de entender tal concepção de menor ofensividade ou lesividade aos demais delitos cuja pena não exceda aos quatro anos. Isto foi ratificado. 

Mas o que deve realmente nortear o tema é a análise do "potencial ofensivo" de cada ação, a ser entendido como a virtual possibilidade de causar ofensa ou agressão. 

É fácil observar que nas Leis nº 9.099/95 e nº 10.741/2003 o legislador optou por definir menor potencial ofensivo exclusivamente pela pena máxima prevista aos crimes. Tal opção, a nosso ver, é equivocada e desarrazoada, pois o mero critério de quantia de pena não reflete a lesividade ou potencialidade de dano. Lembre-se que as duas leis foram aprovadas com o mesmo fundamento: o de reduzir o uso das prisões - a busca da chamada "despenalização". 

Acompanhando a evolução histórico-jurídica, o Excelso Supremo Tribunal Federal admitiu em recente julgamento a progressão de regime nos crimes tidos por hediondos, o que, com feito, sedimenta a tendência nacional quanto ao aspecto humanitário da pena, não importando os contrários argumentos do alegado crescimento da violência. 

Tal tendência, ao que tudo indica, reflete o convencimento de que o afastamento de nosso semelhante do meio da sociedade, com o enclausuramento notadamente integral, não é medida ideal e razoável em meio às conquistas que o próprio homem, como ser, alcançou durante a história. 

Dito isto, cabe questionar: por que não considerar crimes de menor potencial ofensivo àqueles que se enquadram no inciso I do art. 44 da Lei n. 9.714/98? Parece lúcido e lógico o argumento de que a restrição sobre violência ou grave ameaça à pessoa coaduna-se com a menor ofensividade. 

E para fixar a ofensividade urge o cotejo dos bens jurídicos tutelados, em hierarquia de valores que nossa sociedade adotou. Isto permite ilações: a vida é mais importante do que a integridade física; esta, por sua vez, é mais importante do que honra e do que a liberdade; e a liberdade é mais importante do que o patrimônio. O próprio Código Penal parece ter seguido esta seqüência de importância quanto traçou a seqüência de crimes em seus capítulos. 

Assim sendo, não há como estabelecer diferenciações em matéria processual penal de molde a fixar um conceito de infração penal de menor potencial ofensivo para crimes cometidos contra os idosos, e outro diverso, a ser aplicável aos demais delitos. Tomamos por certo que é potencialmente menos ofensivo todos os crimes em que não ocorre violência ou grave ameaça. 

Examinando um exemplo: a pena prevista no Código Penal para o furto simples (art.155) é de reclusão de 1 a 4 anos. Isto faz com que surja uma incoerência: o bem jurídico tutelado no crime de furto é o patrimônio enquanto que na lesão corporal leve é a integridade física das pessoas. Qual deles tem maior valor para a sociedade? Tomamos por verdadeira a assertiva de que o patrimônio não é mais importante que a integridade física das pessoas. Não se pode esquecer que a intensidade do ilícito tem a ver, necessariamente, com a potencialidade da lesão. 

Respinga, portanto, tal tendência na ampliação do conceito de crime de menor potencial ofensivo atualmente externada, sem dúvida, no Estatuto do Idoso, com o elastecimento de tal definição aos crimes que não ultrapassam o limite de quatro anos de pena. 

E impinge comentar que os institutos despenalizadores introduzidos no ordenamento jurídico nacional pelos artigos 74, parágrafo único, 76, 88 e 89 da Lei criadora dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais estão em perfeita conformidade com adoção de penas alternativas traçada na Lei nº 9.714/98. 

De todo o exposto, entendemos que a melhor forma de definir o conceito de menor potencial ofensivo é a conjugação do art. 61 da Lei nº 9.099/95 com o inc. I do art. 44 do Código Penal, ou seja, seriam processados no âmbito dos Juizados Especiais Criminais os fatos correspondentes aos crimes a que a lei comine pena privativa de liberdade não superior a quatro anos, as contravenções penais, os crimes culposos, qualquer que seja a pena aplicada. A despenalização tem a ver diretamente com a aplicação de penas alternativas à prisão, fato que deve ser exaltado quando da definição de crimes com menor potencial ofensivo.



Texto confeccionado por 
(1) Michel Pinheiro(2) Neemias de Oliveira Silva

Atuações e qualificações
(1) Juiz titular do Juizado Especial de Tauá.
(2) Promotor de Justiça de Tauá.

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