segunda-feira, 29 de março de 2010

A Repercursão da União Estável nos Negócios Imobiliários

A Repercursão da União Estável nos Negócios Imobiliários.

Mário Luiz Delgado - Advogado MGA-SP 



O art. 1.725 1 do Código Civil estabelece que à união estável aplicar-se-ão as regras do regime de comunhão parcial de bens, desde que os conviventes não tenham firmado pacto dispondo de forma diversa sobre suas relações patrimoniais. E nesse tipo de regime o nosso diploma civil, com o objetivo de proteger o patrimônio familiar, estabelece a exigência de outorga para disposição do patrimônio imobiliário do casal, quer seja para alienar , quer seja para gravar de ônus real qualquer bem imóvel (art. 1.647, I) . Essa exigência limita-se ao patrimônio comum amealhado na constância do casamento, uma vez que o artigo 1.665 autoriza a disposição do patrimônio particular.

Quando se trata de casamento, que publiciza a união no contexto social e jurídico, problema algum existe quanto à identificação das situações em que exigível a outorga. O problema surge na união estável, pois o estado civil dos companheiros não consta dos documentos pessoais e assim, muitos negócios jurídicos imobiliários são realizados sem o conhecimento do outro.

O maior perigo, adverte Álvaro Villaça de Azevedo, "está na alienação unilateral de um bem, por um dos companheiros, ilaqueando a boa-fé do terceiro, em prejuízo da cota ideal do outro companheiro, omitindo falsamente declarando seu estado concubinário. Nesse caso, o companheiro faltoso poderá estar, conforme a situação, se o bem for do casal alienando, a non domino , a parte pertencente ao outro, inocente."

O correto seria que os companheiros, quando realizassem negócios imobiliários, mencionassem a existência de sua união estável e a titularidade do bem posto em negociação.

Nesse ponto o Código Civil foi omisso, pois não impõe, nos contratos imobiliários, que as partes declinem a situação fática de conviventes, nem muito menos exige a outorga do companheiro para a venda de bem imóvel.

Não tratando de imóveis adquiridos em condomínio, pois este é averbado no Registro de Imóveis, "inexiste qualquer restrição ao proprietário para a alienação ou imposição de ônus real imobiliário, dispensada a anuência e concordância do seu companheiro, independentemente de tratar-se de bem exclusivo do titular, ou com participação do outro em decorrência da presunção legal ou contratual."

Para Rolf Madaleno "o prejuízo acabará sendo arcado pelo meeiro que imprevidente, confiando cegamente no seu comunheiro, deixou que o bem lhe escapasse da necessária divisão, sendo improvável logre retomá-lo do terceiro de boa-fé, ou o seu valor equivalente em dinheiro" .

Realmente, enquanto no casamento a outorga é condição de validade do negócio jurídico, na união estável não existe igual requisito, limitando-se qualquer discussão à indenização por perdas e danos, "só sendo cogitada da anulação da venda se restar demonstrada a má-fé do terceiro comprador, que com malícia, atuou como testa-de-ferro do convivente vendedor.No casamento o negócio sequer se consolida sem o consentimento do cônjuge, enquanto na união estável a mera omissão de convivência do vendedor, sendo o fato desconhecido do comprador, convalida a venda em detrimento do parceiro ludibriado pela ligeireza de seu convivente em se desfazer do imóvel" .

Situação diversa da alienação diz respeito à constituição de ônus reais sobre os bens imóveis adquiridos na constância da união estável. As repercussões da situação fática convivencial sobre os negócios imobiliários são outras, quando se trata de mera oneração de bem imóvel, como é o caso da hipoteca. Enquanto na alienação, privilegia-se a posição do terceiro de boa fé, em prejuízo do convivente ludibriado, que, em regra, não poderá anular o negócio, na oneração a posição do companheiro fica melhor resguardada, pois o bem ainda não saiu da esfera de disponibilidade dos conviventes, e aquele que não deu a outorga sempre poderá defender em juízo a sua meação.


Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

AZEVEDO, Álvaro Villaça, Comentários ao Código Civil . Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São paulo: Saraiva, 2003, v. 19, p.273-274.

CAHALI, Francisco. Contrato de convivência na união estável . São Paulo: Saraiva, 2002, p.182.

A fraude material na união estável e conjugal.In Questões controvertidas no direito de família e sucessões, Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves. São Paulo: Método, 2005, pp. 287/288.

MADALENO, Rol. Ob. Cit., p. 289. Alguns autores, no entanto, defendem a aplicação analógica dos arts. 1.649 e 1.650 do Código Civil à união estável, atribuindo, assim, ao companheiro lesado a faculdade de postular a anulação dos negócios imobiliários celebrados sem a sua anuência. Nesse sentido pontifica Marilene Guimarães: "Apesar de não haver previsão legal, o Estado não deixa de tutelar o direitos dos companheiros, pois a lei de Introdução ao Código Civil no artigo 4º, autoriza o uso da analogia para tratar situações semelhantes, como é o caso da união estável, equiparada ao casamento pelo regime da comunhão parcial quando inexistir contrato. Na defesa de seu patrimônio o companheiro pode valer-se dos remédios jurídicos disponíveis para proteger o patrimônio no casamento.Portanto, a anulação da alienação de bens comuns feita sem o consentimento do companheiro pode ser requerida por ele até dois anos após a dissolução da união ou por seus herdeiros até dois anos após o seu falecimento, pela aplicação analógica da regra dos artigos 1.649 e 1.650. (...)Nenhuma justificativa legal existe para afetar a possibilidade de invocar as mesmas regras previstas para proteger da meação no casamento, uma vez que a união estável, no que tange ao patrimônio inter vivos , recebe o mesmo tratamento. O companheiro prejudicado apenas não pode se valer da ação reivindicatória pois é da natureza desta o título de propriedade que o companheiro lesado não possui. Contudo, pode invocar as regras do direito de família para anular o negócio jurídico realizado sem o seu consentimento, quando o patrim&o circ;nio integra a sua meação, cabendo-lhe o ônus da prova. Ao proteger a meação do companheiro o Estado também está protegendo a entidade familiar".( GUIMARÃES, Marilene Silveira. Novo Código Civil, questões controvertidas , Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves, "A necessidade de outorga para a alienação de bens imóveis", Editora Método: São Paulo, 2004, pp. 298/299).

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