quarta-feira, 16 de setembro de 2009

CONSIDERAÇÕES DA SCM/ANP ACERCA DO DECRETO SUPREMO Nº 28.701 EDITADO PELA BOLÍVIA EM 01 DE MAIO DE 2006

Nota Técnica nº 012/2006-SCM
Rio de Janeiro, 11 de maio de 2006

ASSUNTO: CONSIDERAÇÕES DA SCM/ANP ACERCA DO DECRETO SUPREMO Nº 28.701 EDITADO
PELA BOLÍVIA EM 01 DE MAIO DE 2006

I – Introdução
Em 01 de maio de 2006, foi promulgado, pela Presidencia de la Republica de Bolivia, o
Decreto Supremo nº 28.701, o qual determina, com base no Referendo de 18 de julho de
2004 e nos preceitos constitucionais bolivianos, a nacionalização dos hidrocarbonetos
daquele país, recuperando o Estado a propriedade, a posse e o controle total e absoluto
destes recursos.
Tendo em vista a relevância dos reflexos da referida norma jurídica sobre os investimentos
da empresa Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) na Bolívia, bem como os eventuais
impactos sobre o fornecimento de gás natural para o mercado brasileiro, a presente Nota
Técnica objetiva a análise de seus principais aspectos, a qual é apresentada a seguir.
II – Principais Aspectos do Decreto Supremo nº 28.701
II.1. Transferência da Produção de Petróleo e Gás Natural à YPFB
Consoante o artigo 2º do Decreto Supremo nº 28.701, a partir de 01 de maio de 2006, as
empresas que, naquela data, produziam petróleo e gás natural na Bolívia, deverão transferir
a propriedade de toda a sua produção à estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos
(YPFB), que a comercializará, definindo, para tal, as condições, volumes e preços, tanto no
tocante ao mercado interno, como ao mercado externo.
II.2. Prazo para a Regularização das Empresas Atuantes na Bolívia
O artigo 3º do ato normativo em tela estatui um período de até 180 (cento e oitenta dias)
para que as empresas produtoras de hidrocarbonetos, atuantes na Bolívia, regularizem sua
situação, mediante a assinatura de contratos que cumpram as condições e requisitos legais
e constitucionais determinados.
Ao término do supramencionado prazo, será vedado às companhias que não tenham
ratificado ditos contratos manterem-se em operação no país.
No sentido de assegurar a continuidade da produção de hidrocarbonetos na Bolívia, a
YPFB, mediante diretivas do Ministerio de Hidrocarburos y Energía, passará a operar os
campos das empresas que impeçam ou não acatem as disposições constantes do Decreto
Supremo nº 28.701.

Vale salientar, ainda, que a YPFB não poderá executar contratos de exploração e produção
que não tenham sido individualmente autorizados e aprovados pelo Poder Legislativo, nos
termos do artigo 59, inciso V, da Constituição pátria.1
II.3. Tributação da Atividade de Produção de Gás Natural
Preceitua o artigo 4º do Decreto Supremo nº 28.701 que, ao longo do período de transição
citado anteriormente, para campos cuja produção tenha sido superior a 100 milhões de pés
cúbicos diários no ano de 2005, os valores decorrentes desta atividade serão distribuídos da
seguinte forma: 82% para o Estado (18% de royalties, 32% a título de imposto indireto e
32% destinados à YPFB) e 18% para as companhias produtoras, de modo a serem cobertos
tanto os seus custos de operação, como a depreciação de seus investimentos e utilidades.
Quanto aos campos com produção inferior a 100 milhões de pés cúbicos, manter-se-á, ao
longo do período de transição, a distribuição atualmente vigente, a saber, 50% para a
Bolívia – 18% de royalties e 32% de imposto indireto – e 50% para as empresas produtoras.
O Ministerio de Hidrocarburos y Energía, por seu turno, analisará, caso a caso, por meio de
auditorias, os montantes investidos pelas companhias no segmento de produção, seus
custos operacionais e a rentabilidade auferida em cada campo.
Os resultados provenientes destas auditorias fundamentarão as decisões da YPFB na
determinação da participação definitiva das companhias nos novos contratos a serem
firmados.
II.4. Participação do Estado Boliviano no Setor de Hidrocarbonetos
O artigo 5º do Decreto Supremo estabelece que o Estado boliviano passará a deter o
controle das atividades de produção, transporte, refinação, armazenagem, distribuição,
comercialização e industrialização dos hidrocarbonetos no país, recuperando, nos termos do
artigo 7º, sua plena participação em toda a cadeia de hidrocarbonetos.
O Ministerio de Hidrocarburos y Energía regulará e normatizará tais atividades até que
sejam aprovados novos regulamentos, de acordo com a Ley nº 3.058/2005.
Paralelamente, o artigo 6º reza que serão transferidas à YPFB, a título gratuito, as ações
dos cidadãos bolivianos integrantes do Fundo de Capitalização Coletiva das empresas
petrolíferas capitalizadas Chaco S.A., Andina S.A. e Transredes S.A.
Conforme o artigo 7º, a YPFB assumirá o controle – com, no mínimo, 50% mais um – das
supramencionadas empresas, além da Petrobras Bolívia Refinación S.A. e Compañia
Logística de Hidrocarburos de Bolívia S.A., nomeando imediatamente seus representantes e
síndicos e firmando novos contratos que garantam ao Estado a direção das atividades
componentes do setor de hidrocarbonetos no país.
Merece registrar, por fim, que, consoante o artigo 8º, em 60 dias contados da promulgação
do Decreto Supremo, a YPFB será reestruturada, convertendo-se em uma empresa
corporativa, transparente e eficiente, com controle social.
1 O artigo 59, inciso V, da Constituição boliviana preceitua que "son atribuciones del Poder Legislativo autorizar y aprobar
la contratación de empréstitos que comprometan las rentas generales del Estado, así como los contratos relativos a la
explotación de las riquezas nacionales". (grifos nossos)

III – Considerações da SCM/ANP
A partir da análise dos principais dispositivos do Decreto Supremo nº 28.701, promulgado
pelo governo boliviano em 01 de maio de 2006, faz-se pertinente tecer algumas
considerações.
Em princípio, convém destacar os reflexos deste ato normativo sobre os investimentos da
PETROBRAS na Bolívia, a qual atua nas atividades de exploração e produção de
hidrocarbonetos no país desde 1996, tendo investido, para tanto, vultosas quantias.2
A empresa explora os dois principais campos bolivianos – San Alberto e San Antonio –, que
respondem por 64 bilhões m3 de gás, correspondentes a 10% das reservas totais da Bolívia.
Segundo dados da Superintendencia de Hidrocarburos do Sistema de Regulación Sectorial
(SH/SIRESE), em agosto de 2005, a PETROBRAS respondeu por 57% da produção total de
gás natural em solo boliviano.
Ademais, a estatal brasileira detém, por meio de sua subsidiária Petrobras Bolivia
Refinación S.A., a propriedade das maiores refinarias instaladas no país – Gualberto
Villaroel, em Cochabamba, e Guillermo Elder Bell, em Santa Cruz de la Sierra –, que
refinam uma média de 40 mil e 20 mil barris diários de petróleo, respectivamente.
Merece registrar, ainda, que a PETROBRAS é a acionista majoritária da Transportadora
Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (TBG), detentora e operadora, no trecho brasileiro,
do Gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL) – através do qual o gás natural boliviano é escoado
para o mercado gasífero do Brasil –, tendo sido investidos neste empreendimento US$2
bilhões.
O Decreto Supremo nº 28.701, ato soberano do Estado boliviano, determina que as
companhias produtoras de hidrocarbonetos instaladas no país deverão transferir a
propriedade de sua produção à YPFB, sendo esta última responsável por sua
comercialização tanto no mercado local, como no mercado internacional.
Tais sociedades obrigar-se-ão, no período de até 180 (cento e oitenta) dias, a regularizar
sua situação, assinando novos contratos que obedeçam às condições e requisitos legais e
constitucionais. Àquelas empresas que, porventura, não celebrem ditos instrumentos
jurídicos, será defeso permanecerem em operação na Bolívia.
Adicionalmente, a YPFB assumirá o controle majoritário de empresas tais qual a Petrobras
Bolívia Refinación S.A., designando, de pronto, seus representantes e síndicos e
estabelecendo novos contratos que assegurem ao Estado a direção das atividades
pertencentes ao setor de hidrocarbonetos no país.
Observa-se que, nas condições acima apresentadas, as empresas signatárias dos novos
contratos tornar-se-ão meras operadoras, sendo tão-somente remuneradas pela prestação
de serviços.
Há que se destacar, todavia, que, de acordo com a PETROBRAS, a supramencionada
medida somente poderá ser efetivada após uma série de procedimentos e formalidades
legais e societárias exigidos tanto pela Constituição da Bolívia, como por sua legislação
infraconstitucional.
2 De acordo com a PETROBRAS, entre os anos de 1996 e 2004, a companhia investiu, na Bolívia, US$ 988,7 milhões,
incluindo-se, nesse valor, os recursos destinados à construção do Gasoduto Bolívia-Brasil no trecho boliviano.

Tais procedimentos consistem, sobretudo, (i) na negociação, entre as partes, acerca da
contrapartida devida pela YPFB à PETROBRAS pela troca de 50% mais um das ações da
companhia brasileira; (ii) na publicação de uma lei especial que autorize a participação da
YPFB como acionista da PETROBRAS; (iii) na formalização da transferência do lote
acionário de 50% mais um à YPFB; (iv) na alteração do estatuto da empresa; e (v) na
convocação da Assembléia de Acionistas.
Segundo a estatal brasileira, faz-se essencial, ainda, a modificação do artigo 8º da Ley nº
1.330/92 (Ley de Privatización)3, o qual proíbe que as empresas públicas bolivianas
adquiram ativos, valores e outros direitos de companhias transferidas ao setor privado ao
amparo desta norma.
Outrossim, em que pese o fato de a nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos ser
dotada de legitimidade, respaldando-se na Constituição nacional, há que se examinar o
artigo 22 desta Carta Magna, que assim dispõe:
"Art. 22.
I. Se garantiza la propiedad privada siempre que el uso que se haga de ella no sea
perjudicial al interés colectivo.
II. La expropiación se impone por causa de utilidad pública o cuando la propiedad no
cumple una función social, calificada conforme a Ley y previa indemnización justa."
Depreende-se do dispositivo constitucional acima transcrito que a nacionalização é válida,
desde que indenizada prévia e justamente, sob pena da ação ora apreciada configurar-se
como expropriação ilegal dos ativos das companhias envolvidas.
Um outro aspecto relevante a ser contemplado atine ao aumento de 50% para 82% da
tributação incidente sobre os campos cujas quantidades produzidas, em 2005, tenham
excedido a 100 milhões de pés cúbicos diários, por meio da criação de uma participação
adicional de 32% destinada ao fortalecimento da YPFB.
Ao estabelecer tal medida, o ato normativo em comento acabou por penalizar a
PETROBRAS, a qual opera os dois principais campos bolivianos.
No que tange à aludida prescrição, é mister destacar que há, na própria Bolívia, uma
discussão em torno de sua legalidade. A corrente contrária à nova regra sustenta que
impostos adicionais não podem ser implementados por decreto, mas por lei que passe por
todos os trâmites legislativos constitucionalmente preconizados.
Além dos indiscutíveis efeitos do Decreto Supremo nº 28.701 sobre os investimentos da
PETROBRAS na Bolívia, resumidamente evidenciados ao longo da presente Nota, urge
abordar, também, os reflexos da norma sobre o fornecimento de gás natural boliviano para o
Brasil, tendo em vista a importância deste energético para a sua indústria gasífera, a qual é
evidenciada pelos dados a seguir explicitados.
No ano de 2005, 51% do gás consumido no País foi importado da Bolívia, atingindo tal taxa
o patamar de 75% em São Paulo. Outrossim, nos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Paraná e Santa Catarina, 100% do gás natural utilizado provém daquele País, enquanto
no Rio Grande do Sul, tal número é da ordem de 70%.
Diante destes dados, é importante sublinhar que, a partir da implementação das medidas
abarcadas pelo Decreto Supremo, é possível que sejam postos em prática o incremento dos
3 O artigo 8º da Ley nº 1.330/92 reza que "las entidades, instituciones y empresas del sector público, no podrán adquirir
activos, bienes, valores y otros derechos de las empresas objeto de la presente Ley".

preços do gás exportado ao mercado brasileiro e, em última instância, o contingenciamento
e/ou a interrupção de seu suprimento.
O empreendimento de tais ações acarretaria impactos extremamente negativos sobre o
Brasil, mormente, se for levado em conta o fato de que, no curto e médio prazos, não há
perspectivas de aumento da oferta doméstica em volume suficiente para reduzir a sua
dependência frente ao gás boliviano.
Não obstante, embora haja a intenção explícita do governo boliviano de rever o contrato e
seus aditivos firmados entre a YPFB e a PETROBRAS, procedendo à elevação dos preços
do gás adquirido por esta última companhia, é necessário atentar-se para o fato de que tais
instrumentos jurídicos foram celebrados com base em tratados internacionais ratificados
pelos Congressos da Bolívia e do Brasil.
Por conseguinte, à luz da legitimidade conferida pelos dois países a estes tratados, a estatal
petrolífera brasileira defende a impossibilidade de alterações unilaterais no que concerne ao
contrato que rege as exportações de gás boliviano para o Brasil.
Conforme consta deste próprio documento, todas as modificações pretendidas por
quaisquer das partes signatárias devem ser negociadas entre elas e, caso não se obtenha
uma solução satisfatória a ambas, a questão deverá ser submetida ao julgamento exclusivo
da American Arbitration Association of New York, sendo aplicado seu Regulamento sobre
Arbitragem Internacional.
No âmbito desse processo, a sentença prolatada será obrigatória e inapelável, sendo o
único e exclusivo meio de solução relativo à contenda.
Por oportuno, cabe salientar que os tribunais brasileiro e boliviano serão competentes,
consoante o caso, para fazer cumprir os laudos arbitrais proferidos nos termos do contrato
em questão, bem como para resolver judicialmente qualquer controvérsia referente à
validade ou à invalidade de tais laudos, segundo as regras abaixo patenteadas:
(i) Serão competentes, para a execução dos laudos, os tribunais do país no qual
devam ser cumpridas as decisões arbitrais, entendidos por eles os do país da
parte perdedora; e
(ii) Será submetida à jurisdição do tribunal competente para a sua execução a
parte que alegar em seu favor a nulidade ou invalidade dos laudos arbitrais
Em remate, no que diz respeito ao eventual contingenciamento, ou até mesmo, interrupção
do fornecimento de gás boliviano ao mercado brasileiro, releva-se que tal ação acarretaria
enormes malefícios ao desenvolvimento da indústria gasífera nacional, sobretudo devido às
dificuldades de se ampliar, em um curto espaço de tempo, a oferta local do energético.
Malgrado o exposto, a PETROBRAS sinalizou, recentemente, ao mercado sua disposição
de envidar todos os esforços possíveis para ampliar o suprimento de gás natural no País.
De acordo com a estatal, serão investidos cerca de US$17 bilhões em projetos tais quais a
ampliação da produção de gás na Bacia de Santos, a expansão da infra-estrutura de
escoamento do energético no mercado local, a interligação das malhas de transporte do
Sudeste e do Nordeste, além de empreendimentos alternativos associados ao gás natural
liqüefeito (GNL).

JRS/MCM/GBC 7
GUILHERME DE BIASI CORDEIRO
Especialista em Regulação
JULIA ROTSTEIN SMITH DA SILVA COSTA
Especialista em Regulação
MELISSA CRISTINA PINTO PIRES MATHIAS
Especialista em Regulação
JOSÉ CESÁRIO CECCHI
Superintendente de Comercialização e Movimentação
de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural

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