terça-feira, 22 de setembro de 2009

A PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO

A PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO

TRATA-SE DE UM TEMA QUE ESTÁ EM EVIDENCIA EM RAZÃO DA CRESCENTE DO MERCADO IMOBILIÁRIO NACIONAL. O TEMA A PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO INVOCA ASSUNTOS DE CUNHO SOCIAL, ECONOMICO-JURÍDICO.


A Lei n° 8245/91 (Lei do Inquilinato), com seu Art. 82, introduziu mais uma possibilidade de penhorabilidade do bem de família, previsto no Art. 3° da Lei n° 8009/90. Trata-se da possibilidade do fiador ter seu bem de família constrito em razão de contrato de aluguel não cumprido pelo inquilino, vejamos:

 

"Art. 3° A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo de movido:

VII- por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."

 

Com advento da Emenda Constitucional n° 26/2000, o direito à moradia foi entabulado no Art. 6° da Constituição Federal/88, ampliando os direitos sociais. Ocorre que, a partir daí uma indagação passou a ser necessária fazê-la: Ora, se todos têm direito à moradia, porque o fiador poderá ter seu bem de família executado como garantia de dívida locatícia?

 

Certo é que, através dessa indagação, surgiram duas correntes no direito, a primeira a favor da penhorabilidade do bem de família do fiador, baseada principalmente no cumprimento do contrato; a segunda, contra a penhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação, protegida pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

 

Inobstante, os argumentos principais dessas correntes, importante mencionar o Princípio da Isonomia que, erroneamente, tem sido refúgio de alguns doutrinadores. Ocorre que tal regra não pode ser invocada para igualar as condições entre o fiador e o locatário, isso porque ambos têm funções distintas no contrato de locação, o primeiro de garantir, sendo função acessória, inclusive com contrato diverso; o segundo de habitar no imóvel, seguindo as cláusulas do contrato principal.

 

Na prática, muitas vezes assessorado por uma Administradora de Imóveis, o locador, no caso de falta de pagamento do locatário, poderá executar diretamente o fiador em juízo, isso se deve ao fato da renúncia do benefício de ordem (Art. 827 do Código Civil) imposta ao fiador no momento da assinatura do contrato de garantia.

 

No entanto, o fiador, neste caso, ficará sub-rogado dos direitos do credor, podendo perquirir o quantum pago ao locatário, inclusive danos, se houver. (Art. 832 do Código Civil). Agora, vale ressaltar que neste caso, o fiador não terá a prerrogativa de penhorar o bem de família do locatário, senão vejamos:

 

"O fiador que paga integralmente a dívida a qual se obrigou, fica sub-rogado nos direitos e garantias do locador-credor. Entretanto, não há como estender-lhe o privilégio da penhorabilidade do bem de família em relação ao locatário-afiançado, taxativamente previsto no disposto mencionado, visto que nem mesmo o locador o dispunha." (STJ-5° T. REsp 255.663-SP, rel. Min. Edson Vidgal, j. 29.6.00).

 

Em 2006, com o Recurso Extraordinário n° 407.688, o STF julgou com três votos vencidos, a constitucionalidade do Art. 3°, VII da Lei n° 8009/90, sendo favorável à penhorabilidade do bem de família do fiador, a saber:

 

"EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República." (STF, RE n°407688, Pleno, j. 08.02.06).

 

Para buscar a constitucionalidade do cânon supracitado, alguns doutrinadores analisam o conflito de normas, introduzido por Norberto Bobbio. Sabemos que há três critérios para prevalecer uma norma da outra, quais sejam: Quanto à especialidade, quanto à hierarquia e quanto ao tempo cronológico no Ordenamento Jurídico. No caso em tela, achamos melhor não entrar nessa análise, até porque não chegaríamos a lugar algum, pois ora a norma constitucional prevalece perante a norma ordinária, ora esta prevalece aquela.

 

Importante mencionar também que um dos grandes fundamentos da corrente a favor a penhorabilidade do bem de família é a falta de regulamentação do direito à moradia, apenas exposto na CF/88. Conseqüência disso é a eficácia da norma não ser plena, portanto, indiscutível quando posta ao lado da Lei n° 8009/90. O conselheiro do CRECI/RJ Manoel da Silva Maia explica:

 

"A norma do artigo 6º da CF é programática, isto é, estabelece um marco de atuação para o Estado. Só adquire eficácia havendo regulamentação."

 

No mesmo âmbito, obtempera o professor Jorge Miranda, da Universidade de Coimbra, na sua obra "Manual de Direito Constitucional"-3° edição-Editora Coimbra:

 

"Tais normas – denominadas de programática, não permitem que os cidadãos as invoquem imediatamente após a entrada em vigor da Constituição, pedindo aos Tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos".

 

Diferentemente da Carta Magna de 1988, a Constituição Portuguesa buscou a regulamentação desse direito, vejamos:

 

"Artigo 65º (Habitação e urbanismo)1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. 2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução. 3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria." (grifos nossos).

 

Destarte, resta-se consubstanciado a falta de regulamentação do direito à moradia, repercutindo na discussão acerca da penhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação. Essa omissão do legislador foi crucial para destacar a prevalência do Art. 3°, VII da Lei n° 8009/90, somados a necessidade das partes cumprirem o contrato.


Fonte: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1466 - Euro Luis Aun De Barros Brasil De Paula

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