domingo, 25 de abril de 2010

O Ministério Público na nova Lei de Falências

O Ministério Público na nova Lei de Falências

Elaborado em 02.2005.

Mario Moraes Marques Junior

Promotor de justiça – Membro do Ministério Público do estado do Rio De Janeiro, Titular da 7ª promotoria de justiça da comarca da capital



I. INTRODUÇÃO

Com a entrada em vigor da Nova Lei de Falências (Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005), que regula os processos de recuperação judicial, extrajudicial e de falência, instituindo uma nova ordem jurídica em matéria falimentar, uma questão primordial que deverá ser enfrentada desde os primeiros dias de sua aplicação será a da intervenção do Ministério Público nestes feitos.

A Lei de Falências revogada (Decreto-Lei 7.661/45), em seu artigo 210, dispunha expressamente:

"O representante do Ministério Público, além das atribuições expressas na presente lei, será ouvido em toda ação proposta pela massa ou contra esta. Caber-lhe-á o dever, em qualquer fase do processo, de requerer o que for necessário aos interesses da justiça, tendo o direito, em qualquer tempo, de examinar todos os livros, papéis e atos relativos à falência e à concordata".

Por força do mencionado dispositivo legal, o Ministério Público exercia uma atividade ampla e diversificada, por seus órgãos de execução, as Promotorias de Massas Falidas, que com o tempo foram se especializando profundamente na matéria falimentar, aparelhando-se, inclusive, com apoio de peritos e contadores, como se verifica no Rio de Janeiro.

As Promotorias de Massas Falidas, no âmbito do Ministério Público, foram se constituindo em órgãos de atuação tradicional, exercendo atividade de natureza híbrida e dúplice, pois atuante tanto como custos legis (como órgão interveniente), quanto como parte (órgão agente), ao investigar a conduta dos administradores das sociedades empresárias em processo falimentar, empreendendo a persecução criminal, através do inquérito judicial e propositura de denúncias pela prática de crimes falimentares.

O Ministério Público, assim, como fiscal da lei, intervinha em todas as fases dos processos de falência e de concordatas preventivas e suspensivas, sendo sua oitiva obrigatória antes da decisão de qualquer questão incidente importante, inclusive nos processos correlatos, como, por exemplo, nas habilitações de crédito, pedidos de restituição e ações revocatórias, oferecendo promoções e pareceres, que em muito contribuíram para o deslinde das questões jurídicas complexas, que se apresentaram ao longo de mais de cinqüenta anos de vigência do Decreto-Lei 7.661/45.

Além desta atuação, por força da norma inserta no art. 210 da lei revogada, a intervenção do Ministério Público se fazia obrigatória em todas as causas em que a massa falida ou sociedade concordatária fosse autora ou ré, sob pena de nulidade do processo, estivesse o feito em trâmite no juízo falimentar ou em outro juízo qualquer, devendo ser intimado pessoalmente para intervir como custos legis.

O Projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhado ao Presidente da República para sanção previa em seu art. 4º, verbis:

"Art. 4º. O representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência.

Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta".

Tal dispositivo reproduzia o teor do art. 210 da Lei de Quebras revogada, sendo enfático ao determinar, como obrigatória, a intervenção do Ministério Público em qualquer processo de recuperação judicial ou de falência, e ainda nas ações em que a massa falida fosse parte, seja como autora, seja como ré.

A prevalecer o entendimento firmado sob a égide da lei revogada, a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público se estenderia aos processos em que sociedade em regime de recuperação judicial fosse parte, como se vinha entendendo em relação às causas em que concordatária fosse autora ou ré.

Assim, a intenção do legislador foi a de manter inalterada a intervenção do Ministério Público, através das Promotorias de Massas Falidas, exercendo a importante função de custos legis, fiscalizando o cumprimento da lei falimentar em todos os momentos processuais importantes, seja no processo de recuperação judicial, seja no processo de falência.

Como veremos, no entanto, o art. 4º do Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional foi vetado inteiramente pelo Presidente da República, o que impõe uma análise mais aprofundada da disciplina da intervenção ministerial em matéria falimentar, após a entrada em vigor da nova lei.

Este estudo tem por escopo uma primeira abordagem desta matéria, que certamente suscitará uma viva controvérsia no meio jurídico, sendo oportuna, portanto, uma atenta e sistemática visão do tema, a que nos propomos, por ora, com ênfase na atuação do Ministério Público como custos legis, nos processos regulados pela nova lei.


2. O VETO AO ARTIGO 4º DA LEI 11.101 (NOVA LEI DE FALÊNCIAS)

Após muitos anos de tramitação no Congresso Nacional, o projeto que institui a nova Lei de Falências e regula também os processos de recuperação judicial e extrajudicial foi encaminhado para sanção ao Presidente da República, que vetou poucos artigos, dentre eles o art. 4º, que justamente determinava a intervenção obrigatória do Ministério Público nos processos de recuperação judicial, de falência e naqueles feitos em que a massa falida fosse parte.

As razões do veto são assim expostas:

"O dispositivo reproduz a atual Lei de Falências – Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, que obriga a intervenção do parquet não apenas no processo falimentar, mas também em todas as ações que envolvam a massa falida, ainda que irrelevantes, e.g. execuções fiscais, ações de cobrança, mesmo as de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc., sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância institucional.

Importante ressaltar que no autógrafo da nova Lei de Falências enviado ao Presidente da República são previstas hipóteses, absolutamente razoáveis, de intervenção obrigatória do Ministério Público, além daquelas de natureza penal".

Após serem elencados diversos dispositivos da nova lei que prevêem a intervenção do Parquet, as razões do veto prosseguem, verbis:

"Pode-se destacar que o Ministério Público é intimado da decretação de falência e do deferimento do processamento da recuperação judicial, ficando claro que sua atuação ocorrerápari passu ao andamento do feito. Ademais, o projeto de lei não afasta as disposições dos arts. 82 e 83 do Código de Processo Civil, os quais prevêem a possibilidade de o Ministério Público intervir em qualquer processo, no qual entenda haver interesse público, e, neste processo específico, requerer o que entender de direito."

A fundamentação do veto, como se percebe, afigura-se bastante precária, pois a atuação fiscalizadora do Ministério Público, ainda que exercida em processos de pequeno significado econômico, sempre assume importância e expressão, tendo em vista a relevância dos interesses tutelados e a necessidade de uma vigilância permanente da instituição.

O Ministério Público, após a promulgação da Carta da República de 1988, em que teve o seu campo de atribuição significativamente ampliado, vem se aparelhando para o fiel desempenho de sua missão constitucional, já estando à altura das importantes funções a ele cometidas como guardião do ordenamento jurídico, dos direitos indisponíveis e da própria ordem democrática.

As razões do veto, portanto, não têm base na realidade fática, e sim raízes políticas, e correspondem a anseios de certos segmentos, incomodados com a firme e decisiva atuação do Ministério Público nos processos falimentares, sempre exigindo o cumprimento da lei e coibindo toda a sorte de manobras fraudulentas e lesivas ao interesse público, não se podendo falar em causas irrelevantes, sendo certo que as Promotorias de Massas Falidas têm se desincumbindo bem dos seus misteres, estando preparadas para enfrentar a demanda de feitos.

Ao revés, vetos desta natureza, mal disfarçam a intenção de reduzir a atuação ministerial, em desprestígio à instituição e a sua atividade processual fiscalizadora, valendo lembrar que o Ministério Público dos Estados jamais interveio em reclamações trabalhistas, por ausência de atribuição legal, sendo duvidosa a atribuição para intervir em execuções fiscais, em que o interesse meramente patrimonial da entidade pública não se confunde com o interesse público justificador da atuação do Parquet, em que pese entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em contrário (1), sustentando a obrigatoriedade da intervenção ministerial nas execuções fiscais, quando a Massa Falida for executada, e a inaplicabilidade, nesta hipótese, do disposto no enunciado nº 189 da Súmula do próprio tribunal, que afirma desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais.

As razões do veto revelam pouco conhecimento do trabalho profícuo do Ministério Público na área falimentar, especialmente após o advento da Constituição da República de 1988, quando a instituição se fortaleceu e se preparou para enfrentar os desafios e árduas tarefas que lhe foram confiadas, somente encontrando respaldo em antigos doutrinadores, que rejeitavam uma ampla atuação do Parquet nos processos de falência (2), por enxergar ser demasiada a sua intervenção, o que dificultaria e tornaria moroso o processo.

A prática forense tem demonstrado, ao contrário, que o Ministério Público tem sido um importante catalisador dos processos falimentares, sempre atento ao fiel cumprimento da lei especial, pugnando por diligências úteis e indispensáveis ao bom andamento dos feitos, que acabam por atingir bom termo graças à atividade fiscalizadora ministerial, por si só saneadora e impulsionadora do correto trâmite processual, coibindo manobras fraudulentas e procrastinatórias, bem como prevenindo a ocorrência de nulidades processuais.

A importância da atuação do Ministério Público no campo falimentar vem sendo reconhecida amplamente por nossos Tribunais Superiores, sendo unânime o entendimento da sua obrigatoriedade, sob pena de nulidade, admitindo-se até mesmo legitimidade ativa para opor embargos em execução fiscal promovida contra massa falida (3), na defesa dos interesses sócio-econômicos envolvidos.

Assim, o veto em comento, além de apresentar insubsistentes fundamentos, pode levar à errônea interpretação de que a intervenção do Ministério Público poderia ser, a partir da vigência da nova lei falimentar, dispensada nas hipóteses em que a própria Lei 11.101 não disponha expressamente.

Certamente tais entendimentos serão sustentados, gerando incerteza jurídica e controvérsias desnecessárias, que teriam sido evitadas caso mantido o artigo, como aprovado pelo Congresso Nacional.

Cumpre-nos, como intérpretes da nova legislação falimentar, buscar uma aplicação sistemática das normas referentes à atuação do Ministério Público no processo civil, para, adequando-as ao universo falimentar e aos procedimentos especiais regulados na Nova Lei de Falências, encontrar a correta disciplina da intervenção do Parquet, compatível com o seu perfil constitucional e com a sua relevância institucional, permitindo-lhe uma atividade fiscalizadora em todos os momentos processuais importantes no campo falimentar, no resguardo do interesse público que informa a sua atividade como custos legis.


3. A APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM MATÉRIA DE INVERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ÁREA FALIMENTAR.

Analisada a inconsistência das razões do veto ao artigo 4º da Lei Falimentar que determinava a intervenção do Ministério Público nos processos de recuperação judicial e de falências, incumbe-nos examinar a questão da intervenção à luz das normas gerais do Código de Processo Civil, que regulam a atividade ministerial no processo civil.

O fundamento da intervenção do Ministério Público no processo de insolvência civil ou comercial é o interesse público, que, nestas hipóteses, reside na necessidade de tutela do crédito, da fé pública, do comércio, da economia pública e na preservação do tratamento igualitário dos credores, pilar da execução concursal falimentar.

Aliás, é oportuno lembrar que os crimes falimentares, como bem ressalta Maximilianus Führer (4), são pluriofensivos, porque atingem ou podem atingir diversos bens jurídicos tutelados pela norma penal, sendo imperioso, portanto, que o Ministério Público, como titular exclusivo da ação penal pública falimentar, acompanhe o processo de insolvência, desde a fase pré-falencial.

Com efeito, parece-nos evidente que o interesse público que determina a intervenção do Ministério Público manifesta-se, ainda mais cristalino, no momento em que é deduzido o pedido de falência em juízo, por qualquer dos legitimados processuais elencados no art. 97, incisos I a IV da Nova Lei de Falências.

É justamente neste momento processual que sobreleva o interesse público justificador da intervenção ministerial, visto que a decretação da falência tem efeitos graves na economia, produzindo, por vezes, a quebra de outras sociedades, desemprego e um abalo geral no crédito, sendo necessária e imprescindível que o Ministério Público, como fiscal do fiel cumprimento da lei, seja chamado a opinar antes da sentença, analisando detidamente a presença dos pressupostos falimentares.

Aliás, o interesse público que determina a intervenção do Ministério Público nos processos de falência, e também nos de recuperação judicial, é o chamado "interesse público primário", que conforme Renato Alessi (5), é o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade como um todo, não se confundindo com o interesse público secundário que é o modo como os órgãos da administração vêem o interesse público, como esclarece Hugo Nigro Mazzilli (6).

Sendo inegável, portanto, a presença de interesse público nas ações falimentares e de recuperação judicial, não há como estar ausente o Ministério Público, em todos os momentos processuais relevantes, como guardião do fiel cumprimento da lei e zelador dos interesses indisponíveis envolvidos.

A intervenção é obrigatória e ditada, em termos expressos, pelo art. 82, inciso III do Código de Processo Civil, que determina deva o Ministério Público intervir em todas as causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide.

Com efeito, pela natureza da ação falimentar e da ação de recuperação judicial, não resta dúvidas que há interesse público relevante a justificar e tornar obrigatória a intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade, a fulminar o processo a partir do ato em que deveria ter sido intimado a intervir.

Nas ações de falência e de recuperação judicial, a intervenção ministerial, além de obrigatória, deve ser determinada pelo órgão jurisdicional desde o ajuizamento do pedido, possibilitando que se manifeste o Promotor de Massas Falidas quanto à presença dos requisitos e dos pressupostos legais, antes de proferir sentença de quebra, determinar o processamento da recuperação judicial ou decretar de plano a falência.

Conforme Nelson Nery Junior (7), a norma inserta no art. 82, inciso III do CPC "deixa aberta a possibilidade de o Ministério Público intervir nas demais causas em que há interesse público. Quando a lei expressamente determina a intervenção, não se pode discutir ou questionar a necessidade de ela ocorrer. A norma ora comentada somente incide nas hipóteses concretas onde a participação do MP não se encontra expressamente prevista na lei. Caberá ao MP e ao juiz a avaliação da existência ou não do interesse público legitimador da intervenção do Parquet".

Como se observa, a intervenção ministerial nas ações falimentares e nas ações de recuperação judicial é obrigatória e inafastável, não sendo ditada por razões de conveniência e oportunidade do órgão do Ministério Público, pois inequívoco o interesse público, devendo intervir o Promotor de Massas Falidas em todo momento processual relevante, ainda que omisso o texto legal.

É fundamental se observar que a aplicação das normas gerais de intervenção do Ministério Público no processo civil, previstas nos artigos 81 a 85 do Código de Processo Civil, aos procedimentos regulados pela Nova Lei de Falências (Lei 11.101/2005) é determinada pela própria Lei Falimentar, em seu art. 189, quando determina a aplicação subsidiária do Diploma Processual, pelo que, a atuação do Parquet deverá ser regulada por estes dispositivos do codex.

Assim, no exercício da sua atividade como custos legis, o Promotor de Massas Falidas, atuando nos processos de falência ou de recuperação judicial, terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo, nos termos do art. 83, inciso I do CPC, podendo juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade (inciso II do art. 83 do CPC).

Ainda como órgão interveniente, nas falências e processos de recuperação judicial, o Ministério Público deverá ser intimado pessoalmente (art. 236, parágrafo 2º do CPC), para todos os atos do processo, sob pena de nulidade (art. 84 do CPC).

Frise-se que o Ministério Público deve ser intimado pessoalmente para intervir, após já terem se manifestado as partes e todos aqueles que deveriam ser ouvidos naquela oportunidade processual, porém previamente à decisão da questão processual incidente, possibilitando-se que ofereça promoção ou parecer fundamentado, a fim de exercer amplamente o seu munus de fiscal da lei e guardião do interesse público.

Após cada decisão judicial ou sentença, deverá ser intimado o Ministério Público, de igual forma, para que possa recorrer das decisões injustas ou ilegais, completando a sua atividade fiscalizadora, sendo certo que sua legitimidade recursal é ampla e está expressamente prevista no art. 499, parágrafo 2º do CPC, já sendo objeto do enunciado nº 99 da súmula do Superior Tribunal de Justiça (8).

Não somente nos processos de falência e recuperação judicial deverá ser intimado o Ministério Público a intervir, mas também em todos os processos correlatos e a eles vinculados, como, por exemplo, nas habilitações de crédito retardatárias, nas impugnações de crédito, nos pedidos de restituição, bem como em qualquer ação proposta pela massa falida ou contra ela, ainda que em trâmite em juízo diverso do falimentar.

Isto se explica, porque não há como se conceber que a atividade fiscalizadora do Ministério Público seja limitada ou restrita aos autos principais da falência ou da recuperação judicial, eis que se vislumbra nestes processos correlatos, também chamados de "satélites", a mesma ratio determinante da intervenção, que é a tutela do interesse público, que não se confunde com o interesse dos credores, mas deve ser entendida como uma abrangente fiscalização da aplicação da lei, no atendimento do interesse da coletividade como um todo, na proteção ao crédito, aos mercados e à economia pública, fortalecendo a crença nas instituições financeiras e econômicas e na própria administração da Justiça.

De nada adiantaria a atuação do Ministério Público nos autos falimentares, se em importantes processos correlatos se verificasse violação à lei, conluios, fraudes de todo o gênero, prejudicando a massa falida e esvaziando o seu ativo, por ausência de intervenção fiscalizadora do Parquet.

Também nestes processos a atuação do Ministério Público obedecerá às normas do Código de Processo Civil (art. 82 a 85), devendo ser feita a sua intimação pessoal, após a manifestação das partes, para oferecer promoções e pareceres sobre questões incidentes e sobre o mérito, bem como para intervir em todos os atos do processo, estar presente às audiências e atos que demandem sua presença, devendo ser intimado de toda decisão e sentença, para que possa interpor eventual recurso.

Impende frisar que a atuação do Ministério Público não está restrita às hipóteses expressamente previstas em dispositivos esparsos da novel Lei 11.101/2005, como, por exemplo, nos artigos 8º, 19, 22, parágrafo 4º, 30, parágrafo 2º, 52, inciso V, 59, parágrafo 2º, 99, inciso XIII, VI, 132, 142, parágrafo 7º, 143, 154, parágrafo 3º, 184, parágrafo único, e art. 187, parágrafos 1º e 2º.

A intervenção do Ministério Público nos processos de falência e de recuperação judicial, como veremos adiante, deverá ocorrer em cada oportunidade processual em que tenha que ser decidida questão incidente pelo juízo falimentar e, para tanto, deverá ser intimado previamente, para que possa oferecer promoção ou parecer, sempre após já terem se manifestado os demais interessados.


4. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS NOS PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA

Uma das características mais marcantes da Lei 11.101/2005, a par de graves defeitos técnicos e alguns dispositivos ofensivos à lógica jurídica, é a sua omissão quanto à solução de diversas situações antes expressamente previstas na lei revogada.

Apenas para exemplificar, examinemos o disposto no 6º, parágrafo 1º da nova lei, que dispõe, verbis:

"§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida".

Tal dispositivo tem seu equivalente na lei revogada, que dispunha em seu art. 24, parágrafo 2º:

"§2º Não se compreendem nas disposições deste artigo, e terão prosseguimento com o síndico, as ações e execuções que, antes da falência, hajam iniciado:

I- os credores por títulos não sujeitos a rateio;

II- os que demandarem quantia ilíquida, coisa certa, prestação ou abstenção de fato".

Como se observa, a lei revogada previa outras hipóteses em que haveria de prosseguir a ação ou execução, além dos casos de demanda por pagamento de quantia ilíquida, que eram as causas para entrega de coisa certa, prestação ou abstenção de fato.

Pela lei atual, que silencia a respeito, não há previsão de tais hipóteses, simplesmente ignoradas, o que poderá gerar controvérsias absolutamente desnecessárias, não fosse a omissão legal.

Na mesma impropriedade incorre a nova lei, ao se omitir sistematicamente quanto à intimação do Ministério Público, para se manifestar nos diversos momentos processuais, tanto da recuperação judicial, quanto na falência.

As omissões são inúmeras e, como a intervenção ministerial é obrigatória, sob pena de nulidade do ato em que deveria intervir o Promotor de Massas Falidas, nos limitaremos apenas a elencar aquelas que, por sua relevância, prejudicam sobremaneira o exercício da atividade fiscal do Parquet, na função de custos legis.

Assim, será obrigatoriamente intimado o órgão do Ministério Público a intervir, seja através de manifestações (pareceres e promoções), seja através da presença ao ato, nos seguintes momentos processuais, enumerados por ordem crescente de artigos da nova lei falimentar:

1) nas impugnações de crédito, devendo ser intimado para se manifestar após o devedor, o Comitê e o administrador judicial (art.12, caput e parágrafo único).

2) antes da homologação da relação dos credores constante do edital do art. 7º, parágrafo 2º como quadro geral de credores, possibilitando um controle prévio do passivo da massa falida ou da sociedade em recuperação judicial (art. 14), justificando-se a intervenção, ademais, porque pode o Ministério Público, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, pedir a exclusão, reclassificação ou retificação de qualquer crédito (art. 19), o que demonstra a necessidade de sua atividade fiscal ab initio.

3) para comparecer à audiência especial designada pelo juízo falimentar, quando for intimado a prestar declarações qualquer credor, o devedor ou seus administradores (art. 22, parágrafo 2º), sob pena de nulidade do ato, sendo certo que o Ministério Público também pode tomar a iniciativa de pleitear a oitiva em juízo de qualquer das pessoas elencadas no art. 22, inciso I, alínea "d", para prestar informações sobre fatos de interesse da falência.

4) quando o administrador judicial, na falência, pleitear autorização judicial para transigir sobre obrigações e direitos da massa falida e conceder abatimento de dívidas, devendo o órgão do Ministério Público se manifestar sobre o pedido, após ouvido o Comitê e o devedor e previamente à decisão (art. 22, parágrafo 3º).

5) quando convocada assembléia-geral de credores, para que o Promotor de Massas Falidas avalie quanto à necessidade de sua presença, sendo recomendável o seu comparecimento, especialmente em falências de grande porte, para observar o cumprimento das disposições legais que regem o ato, especialmente as relativas ao quorum de instalação e deliberação (art. 36 e seguintes), bem como quanto à dinâmica das votações.

6) antes da decisão que defere o processamento da recuperação judicial (art. 52, caput), abrindo-se oportunidade de o Ministério Público examinar o preenchimento de todos os requisitos legais para o processamento do pedido, bem como toda a documentação que deve instruí-lo. Embora deva ser intimado também da decisão que deferir o processamento (art. 52, inciso V), a atividade ministerial não pode ser exercida apenas a posteriori, tendo em vista os efeitos graves advindos do processamento, especialmente a suspensão das ações e execuções individuais contra o devedor (inciso III do art. 52), estando evidenciado o interesse público na manifestação prévia do órgão ministerial.

7) antes da decretação da falência, se rejeitado o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor, pela assembléia-geral de credores (art. 56, parágrafo 4º), ocasião em que o Ministério Público deverá, na tutela dos interesses indisponíveis de que é guardião, verificar se a rejeição do plano obedeceu, em sua votação, às regras da lei falimentar, bem como se não é abusiva ou arbitrária.

8) antes da concessão da recuperação judicial, ocasião em que será verificado pelo Ministério Público o cumprimento dos requisitos legais, bem como o cumprimento do disposto no art. 57 (apresentação das certidões negativas de débitos tributários pelo devedor), e a efetiva inexistência de objeções de credores ao plano de recuperação (art. 55), sendo certo que se o Ministério Público é legitimado a recorrer da decisão de concessão (como de resto, aliás, de qualquer decisão neste processo), nos termos do art. 59, parágrafo 2º, é curial que se manifeste previamente, podendo exigir o cumprimento de qualquer requisito ou apresentação de documento faltante.

9) antes da sentença que julgar encerrado o processo de recuperação judicial, para que verifique se foram cumpridas todas as obrigações do devedor, previstas no plano (art. 63,caput).

10) antes de ser decidido quanto à destituição do administrador prevista no art. 64, parágrafo único, vez que tal decisão, inclusive, pode se dar em razão da prática de ilícito falimentar, o que exige o pleno conhecimento pelo órgão do Parquet quanto à conduta do administrador, para fins de propositura da ação penal.

11) antes de ser autorizada a alienação de bens ou direitos integrantes do ativo do devedor, após manifestação do Comitê (art. 66), vez que cabe ao Ministério Público velar pela preservação do ativo e pelo fiel cumprimento do plano de recuperação.

12) antes da decisão que concede a recuperação judicial a uma microempresa ou a empresa de pequeno porte (art 72, caput), com base no plano especial de recuperação (art. 71), possibilitando que o órgão do Ministério Público verifique se a sociedade efetivamente se enquadra no conceito legal de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação e, portanto, sujeita à disciplina especial mais benéfica da nova lei.

13) antes da decisão que convolar a recuperação judicial em falência, nas hipóteses do art. 73, velando pela legitimidade e legalidade da decretação.

14) antes de ser decidido pedido de restituição, após oitiva do falido, do Comitê, dos credores e do administrador judicial (art. 87, parágrafo 1°), devendo o órgão ministerial se manifestar fundamentadamente quanto ao pleito, recorrendo da decisão, se necessário. Intervirá, ademais, em eventual embargos de terceiro (art. 93).

15) antes da sentença que decretar a falência requerida pelo próprio devedor (autofalência), por credor ou qualquer outro legitimado, devendo ser intimado após o prazo da contestação ou após o ajuizamento do pedido, em caso de autofalência. Sobreleva, neste momento, o interesse público, sendo a ocasião em que o interesse meramente privado do requerente da quebra ou mesmo do próprio devedor (no caso de autofalência) deve ser contraposto ao interesse social. É nesta oportunidade que avulta a necessidade de intervenção do Promotor de Massas Falidas, que deverá aquilatar e sopesar os interesses envolvidos, para que cumpra o processo falimentar o seu objetivo maior de saneamento do mercado, de preservação do crédito e das instituições, bem como da tutela da economia como um todo, velando pela rápida solução da controvérsia e evitando a procrastinação do feito e a situação de indefinição jurídica do estado falimentar da sociedade. Não pode, por evidente, se limitar a atuação do Ministério Público a um controle posterior, depois de já decretada a quebra, como poderia se supor, a teor do art. 99, inciso XIII, que prevê a obrigatoriedade da intimação do Ministério Público, a ser ordenada na própria sentença de quebra. É ainda neste momento que se abre oportunidade ao Ministério Público, levando em consideração a função social da empresa e os princípios que norteiam a sua preservação, de avaliar a necessidade de exclusão do mercado daquela unidade produtiva, geradora de empregos, renda e arrecadação de tributos, bem como as conseqüências da sua insolvência no mercado, inclusive em relação a outras sociedades, já sendo possível, por vezes, vislumbrar-se a ocorrência, nesta fase, de diversas condutas tipificadas como crimes falimentares, o que torna inquestionável a necessidade da sua intervenção.

16) para acompanhar, se julgar necessário, a arrecadação dos bens da sociedade falida, a cargo do administrador judicial (art. 110, caput). Como na lei revogada, a participação direta no ato é facultativa, mas é indispensável a ciência do órgão ministerial, que pode julgar relevante acompanhar a diligência, especialmente em certas circunstâncias, como, por exemplo, a existência de substâncias tóxicas ou controladas, dentre as possivelmente encontradas (falência de drogaria ou indústria farmacêutica) ou quando tenha receio ou suspeita da ocorrência de desvio de bens.

17) antes da concessão de autorização a credores para adquirir bens da massa falida arrecadados, após a oitiva do Comitê (art. 111).

18) para se manifestar sobre a celebração de contrato referente aos bens da massa falida (art. 114) pelo administrador judicial, após a autorização do Comitê, cumprindo verificar se efetivamente o negócio é vantajoso para a massa. Frise-se que, a despeito da omissão do texto legal, não basta a autorização do Comitê, somente sendo possível a celebração de negócio envolvendo bens da massa, após decisão judicial. Do mesmo modo, por igual razão, deverá se manifestar o Promotor de Massas Falidas quanto ao cumprimento de contrato bilateral (art. 117) ou unilateral (art. 118) pelo administrador judicial, após manifestação do Comitê.

19) para intervir em todos os atos da ação revocatória, como custos legis (art. 134), quando não tiver proposto a ação (tem legitimidade, nos termos do art. 132). Vale lembrar que o Ministério Público não detinha legitimidade para a propositura de ação revocatória, pela lei revogada, sendo nova a atribuição prevista pelo art. 132 da Lei 11.101/2005.

20) para opinar sobre a modalidade de realização do ativo da massa falida, após a oitiva do administrador judicial e do Comitê (art. 142, caput, art. 144 e 145, parágrafo 3°). Insta acentuar que a lei prevê, no parágrafo 7° do art. 142, que "o Ministério Público será intimado pessoalmente, sob pena de nulidade". Este dispositivo revela-se bastante lacônico, pois não indica o objetivo da intimação, se para a presença ao ato de alienação ou simplesmente para se manifestar sobre a modalidade mais apropriada. Ademais, encerra expressão supérflua, vez que toda intimação a órgão do Ministério Público é obrigatoriamente pessoal, com vista dos autos, nos termos do art. 41, inciso IV da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93). A interpretação da norma legal em comento mais consentânea com a atividade fiscalizadora do Promotor de Massas Falidas é a de que ele deverá ser intimado para opinar sobre a modalidade de alienação e também para o ato, devendo estar presente ao leilão ou pregão (art. 142, incisos I e III) e ao ato de abertura dos envelopes pelo Juiz, no caso de alienação por propostas (art. 142, parágrafo 4°), velando pela obediência às regras estatuídas pelo art. 142, parágrafo 6° e para que não sejam alienados os bens da massa por preço vil.

21) após a apresentação do relatório final da falência pelo administrador judicial (art. 156) e antes do seu encerramento por sentença, bem como em caso de ser requerida a declaração de extinção das obrigações pelo falido (art. 159), para se manifestar previamente à decisão.

22) para opinar sobre o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, bem como sobre eventual impugnação apresentada (art. 164, parágrafos 4° e 5°). O fundamento da intervenção ministerial, nesta hipótese, é o mesmo justificador da atuação nos processos de falência e recuperação judicial, considerando a necessária tutela de interesses indisponíveis e o interesse público primário que sobressai de igual modo. Frise-se que, por uma interpretação sistemática da própria lei, chega-se à conclusão de que a intervenção do Ministério Público é obrigatória não somente para atuar como custos legis, mas também para que possa constatar e reprimir a prática de crimes falimentares. Com efeito, nos tipos penais previstos pelos artigos 168, 171, 172, 175 e 178, estão descritas condutas incriminadoras praticadas antes ou depois da homologação da recuperação extrajudicial, sendo indispensável, portanto, a intervenção do Ministério Público durante o processamento do pedido homologatório, propiciando-se ao titular da ação penal a colheita dos elementos necessários à propositura de ação penal.

Além das hipóteses de intervenção mencionadas, como já ressaltado, deverá ser intimado o Ministério Público a se manifestar sobre qualquer questão incidente surgida no curso de processo de falência, recuperação judicial ou extrajudicial, sempre opinando após os interessados e previamente à decisão judicial, possibilitando-se o pleno exercício da sua atividade fiscalizadora, não estando adstrita a atuação ministerial àquelas situações mencionadas na lei expressamente.

Vale lembrar, ainda, em reforço a esta ordem de idéias, que a própria lei, ao conceder ao Ministério Público legitimidade para a propositura de ação revocatória (art. 132), com o objetivo de coibir a prática de atos fraudulentos e prejudiciais aos credores da sociedade falida ou em recuperação judicial, induz à obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público em todas as fases processuais, a fim de que possa ter conhecimento de qualquer ato atentatório à lei e aos interesses da massa falida, sujeitos à declaração de ineficácia, elencados nos incisos do art. 129, bem como da prática de qualquer conduta com intenção de prejudicar credores, nos termos do art. 130 da nova lei.

De igual forma, somente será possível a colheita de elementos de prova e a efetiva repressão aos ilícitos falimentares, se o Ministério Público acompanhar todos os atos do processo falimentar, para verificar a ocorrência destes ilícitos, procedendo à sua investigação, podendo, se for necessário, requisitar a abertura de inquérito policial (art. 187, caput).

Somente com a presença do Ministério Público em todas as fases dos processos de falência e de recuperação judicial (vez que há possibilidade de convolação em falência), poderá ser efetivamente reprimida a prática dos ilícitos falimentares, que tiveram suas penas consideravelmente agravadas na nova lei, que, ademais, tipificou novas condutas criminosas, exigindo atenção especial do Promotor de Massas Falidas e a sua presença a todos os atos processuais na falência e na recuperação judicial, podendo, inclusive, promover ação penal imediatamente após a decretação da quebra, se já presentes elementos probatórios suficientes da ocorrência de crime, nos termos do art. 187, caput.


5. AS NORMAS CONSTITUCIONAIS E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO FALIMENTAR

Analisada a intervenção do Ministério Público em matéria falimentar, à luz das normas gerais que regem a atuação do Parquet no processo civil, impende um rápido exame das normas constitucionais que traçaram o perfil da instituição, para melhor aclarar a questão da natureza dos interesses que justificam e determinam a intervenção ministerial na área do Direito Falimentar.

Encontramos justificativa e base constitucional para atuação do Ministério Público nos processos de falência e de recuperação judicial na própria norma inserta no art. 127, caput da Carta da República de 1988, que exemplarmente o define como "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

Com efeito, o interesse público primário, ou seja, o interesse social (da sociedade em geral ou da coletividade como um todo), é que norteia e define como obrigatória a atuação do Ministério Público nos processos falimentares e de recuperação judicial, tendo em vista os extensos e incomensuráveis reflexos no âmbito empresarial, econômico e do crédito, alcançando mesmo a credibilidade das instituições e da própria Justiça.

A intervenção ministerial, na seara da falência e da recuperação judicial, portanto, encontra raízes constitucionais, sendo certo que o Promotor de Massas Falidas atuará na função de guardião do ordenamento jurídico falimentar e na tutela dos interesses sociais indisponíveis envolvidos nestes processos.

Impende salientar, ademais, que não importa a natureza jurídica que venha a ser reconhecida doutrinariamente à recuperação judicial ou extrajudicial (matéria que refoge do objeto deste estudo), vez que, ainda que se vislumbre nestes institutos mera administração judicial de interesses privados, e, portanto, de interesse exclusivo dos credores da sociedade empresária participantes, a atuação do Ministério Público se impõe, vez que não age na tutela dos interesses dos credores ou de quaisquer interesses privados, mas em razão da repercussão que tais processos têm na esfera social, no âmbito público e das relações econômicas, pelo que, há interesse público primário no exercício da atividade fiscalizadora ministerial.

Assim, não há como se vislumbrar na atuação do Ministério Público, nos processos de falência e recuperação judicial, a tutela de interesses metaindividuais, também denominados transindividuais, que são aqueles compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas, pois estes interesses, como elucida Hugo Nigro Mazzilli (9), são interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam a constituir interesse público.

Conforme visto, não tutela o Ministério Público o interesse dos credores da falida, nem da sociedade em recuperação judicial, e, assim, não há como se confundir o interesse público (sempre indisponível) que norteia a atividade ministerial nos processos regulados pela Nova Lei de Falências, com os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, embora estes também reclamem defesa por parte do Ministério Público (art. 127, caput e art. 129, III da Constituição Federal).

A intervenção ministerial nestes processos é ditada pelo interesse público evidenciado pela própria natureza da lide e suas repercussões no ordenamento jurídico e econômico. As conseqüências, por vezes de proporções nacionais, que podem advir da falência ou recuperação judicial de sociedade empresária de grande porte, no abalo ao crédito e na credibilidade dos nossos mercados, podem influenciar, inclusive, os investimentos externos no país, pelo que, o Ministério Público, em sua missão constitucional de guardião do ordenamento jurídico e dos interesses sociais indisponíveis não pode ser afastado de tais processos, configurando-se inconstitucional qualquer iniciativa normativa com este propósito.


6. CONCLUSÕES

Do estudo da matéria analisada, em síntese, podemos chegar às seguintes conclusões:

1)A intervenção do Ministério Público é obrigatória nos procedimentos de falência, recuperação judicial e extrajudicial, reguladas pela Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, bem como em qualquer outro processo correlato ou em que o devedor seja parte, aplicando-se o disposto no seu art. 189, e regula-se pelas normas do Código de Processo Civil (arts. 81 a 85), tendo em vista o interesse público primário evidenciado pela natureza da lide (art. 82, inciso III do CPC), devendo ser intimado para todos os atos processuais, sob pena de nulidade, a fulminar o processo a partir do ato em que deveria ter sido intimado a intervir.

2) Nas ações de falência e de recuperação judicial, a intervenção ministerial deve ser determinada pelo órgão jurisdicional desde o ajuizamento do pedido, possibilitando que se manifeste o Promotor de Massas Falidas quanto à presença dos requisitos e dos pressupostos legais, antes de proferir sentença de quebra ou determinar o processamento da recuperação judicial, além de permitir a colheita de elementos probatórios para a propositura de eventual ação penal por crime falimentar, bem como para que possam ser identificados atos fraudulentos passíveis de declaração de ineficácia em ação revocatória a ser proposta pelo Ministério Público.

3)A intervenção do Ministério Público deverá ocorrer em cada oportunidade processual em que tenha que ser decidida questão incidente, pelo juízo falimentar, e, para tanto, deverá ser intimado previamente, para que possa oferecer promoção ou parecer, sempre após já terem se manifestado os demais interessados, ainda que, em cada hipótese, a nova lei não preveja expressamente a oitiva do Parquet, posto que a atuação ministerial é regulada pelo art. 83, I do CPC, sendo obrigatória a abertura de vista dos autos após as partes.

4) A intervenção ministerial, na seara da falência e da recuperação judicial, encontra raízes constitucionais, sendo certo que o Promotor de Massas Falidas atuará na função de guardião do ordenamento jurídico falimentar e na tutela dos interesses sociais indisponíveis envolvidos nestes processos, não podendo ser afastada a atuação do Ministério Público, em razão do interesse público primário, configurando-se inconstitucional qualquer iniciativa normativa com este propósito.


NOTAS

1 RESP nº 614262 / RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 14.02.2005, p. 172

2 J.C. Sampaio de Lacerda, Manual de Direito Falimentar, 13ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 124. No mesmo sentido, veja-se Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, 4ª ed., Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, p. 435.

3 RESP nº 28529, Rel. Min. Laurita Vaz, RSTJ vol. 160, p.183

4 Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1972, p.23.

Sistema instituzionale Del diritto amministrativo italiano, Milão, 1960, p.197-8.

A defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 15ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p.42.

Código de Processo Civil Comentado, 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.503.

8 Enunciado nº 99 da súmula do STJ: "O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte".

9 Ob. cit., p. 43

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