terça-feira, 6 de abril de 2010

Princípio da consunção: o problema conceitual do crime progressivo e da progressão criminosa

Princípio da consunção:

o problema conceitual do crime progressivo e da progressão criminosa

Elaborado em 06.2000.

Guilherme da Rocha Ramos


1. Introdução:

O ordenamento jurídico, notadamente aquela sua parte que dispõe sobre normas e regras de caráter penal, por uma questão de boa técnica e até de necessidade e segurança da coletividade a que se destina, deve organizar, estruturar e, é claro, fazer aplicá-las de modo que não surja entre elas conflito intransponível, o que resultaria em sérias controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, sem falar na questão prática, qual seja, a da falta ou má incidência da norma correspondente à espécie fática penalmente ilícita e de suas conjecturas e conseqüências.

Quer-se com isso asseverar que as normas penais devem manter entre si compatibilidade, a fim de que não ocorra, e. g., de uma única infração penal sofrer a incidência de mais de uma norma penal (bis in idem), o que implicaria, senão graves injustiças (a co-incidência tornar-se-ia "cúmplice" da impunidade, nalguns casos, e de injusta punição, noutros), ao menos divergências jurisprudenciais infindáveis.

Assim, para evitar que aconteça de duas ou mais disposições penais regularem o mesmo fato, ou melhor, com a finalidade de se dirimirem quaisquer dúvidas a respeito de qual tipo penal, X ou Y, a ser aplicado face a um caso concreto, é que se criaram os "princípios para solução de conflitos aparentes de normas".

Com efeito, a teoria e prática criminais muitas vezes se deparam com fatos que, aparentemente, são regulados por mais de uma norma penal. Tenha-se como um exemplo emblemático o comportamento do agente que mata a sua vítima para subtrair-lhe valores. Perguntar-se-ia, pois: Em qual norma incriminadora se enquadraria o delito em exame, na do art. 121, § 2º, V, 1ª figura, do Código Penal (homicídio praticado para assegurar a execução de outro crime), na do art. 157, § 3º, in fine, do estatuto repressivo (latrocínio), ou na de ambas?

Vejamos que o correto enquadramento normativo do fato-crime perpetrado não se trata apenas de uma questão puramente teórica, de Direito material, senão da aplicação desta ou daquela norma vão depender sobremaneira os efeitos processuais e executórios defluentes contra o sujeito ativo. No exemplo proposto, a exata determinação da norma incidente apontará não apenas o nomen juris in specie do ilícito penal, como, outrossim, prestará a fixar a competência para o seu processo e julgamento, e a delimitar o campo de validade e de incidência das normas penais não incriminadoras explicativas de direitos e garantias, de natureza executória, explicitadas em lei.

Decerto, em vindo a ser descortinada a dúvida em favor da existência de homicídio qualificado, a competência do processo-crime pertencerá ao Tribunal do Júri, ex vi do art. 74, § 1º, do Código de Processo Penal. De outra parte, vislumbrando-se, na hipótese, delito de latrocínio, além daqueles efeitos (tão dura e comumente criticados pela doutrina) de que dispõem os incisos I e II do § 1º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/90), a competência, como é pacífico na jurisprudência pátria, restará em mãos do juiz singular, cujo rito seguirá os moldes dos imperativos emanados dos arts. 498 usque 502, todos do diploma processual penal.

Não se deslembre de que, em nível de Execução Penal, acolher uma infração penal como sendo latrocínio surtirá efeitos, por exemplo, quando da concessão, ou não, do benefício do livramento condicional, tudo consoante — cumulativamente aos requisitos subjetivos — a duração mínima da execução da pena cominada, que não será inferior a 2/3 (art. 83, III, IV, V, e parágrafo único, do Código Penal). Caso, entretanto, pugne-se pelo homicídio qualificado, muito obstante tratar-se, tal qual o anterior, de crime hediondo (art. 1º, I, da Lei n.º 8.072/90), evidentemente que, como a sua pena mínima abstrata é substancialmente inferior que a do latrocínio, a concessão do livramento condicional dar-se-á muito mais celeremente do que se condenado fosse o réu a executar a pena do delito enquadrado no art. 157, § 3º, in fine, do Código Penal.

Nesses termos, o fato delituoso do agente no exemplo supra citado não poderá se subsumir a duas disposições incriminadoras diferentes, pois que as conseqüências e efeitos penais, processuais e executórios de cada uma delas são diferentes — até, no âmbito da competência, contrapostos. Acresça-se a injustiça da dupla repressão penal a um mesmo fato (bis in idem).

Com a aplicação do primado do princípio da especialidade, ter-se-á forçosamente de se reconhecer pela subsistência, isoladamente, da norma penal incriminadora que define o tipo penal do latrocínio, solvendo-se assim, conseguintemente, o conflito que se instaurara.

Todavia, não confundamos "concurso aparente de normas" — também chamado "conflito aparente de normas", "concurso aparente de normas coexistentes", "conflito aparente de disposições penais", "concurso fictício de leis", "concorrência imprópria", "concurso ideal impróprio" e "concurso impróprio de normas" — com "concurso ou pluralidade de crimes". Neste, existe concorrência real de normas (e não meramente aparente): uma única conduta do sujeito ativo produz dois ou mais resultados delituosos (concurso formal, aberratio ictus e aberratio delicti, desde que, nestes dois últimos, advenha o resultado pretendido) ou duas ou mais condutas causam dois ou mais resultados delituosos (concurso material e crime continuado)(1). Em ambos os casos, porém, existem dois ou mais crimes, ainda quando advindos de uma só conduta.

Portanto, o concurso real de normas exige:

1º) pluralidade de infrações penais;

2º) pluralidade de normas, cada uma destas incidindo sobre uma infração penal praticada.

Para que haja o concurso aparente de normas, no entanto, necessário é que de ordinário sejam preenchidos dois requisitos:

1º) a ocorrência de uma única infração penal (unidade de fato);

2º) pluralidade de normas identificando o mesmo fato como delituoso.

A partir da análise dos requisitos do concurso real e do concurso aparente de normas, nota-se facilmente que a distinção entre os dois reside na pluralidade de fatos, naquele, e na unidade de fato, neste. Em inexistindo unidade de fato, i. e., se o agente, com sua(s) ação(ões) ou omissão(ões), provocou dois ou mais resultados penalmente ilícitos, fala-se em realconcorrência de normas penais, não em "concorrência normativa aparente".

Estabelecendo-se aparente conflito de normas, pugna-se pela sua imediata solução por um dos quatro conhecidos princípios: especialidade, subsidiariedade, consunção e alternatividade. Ficaremos, nesse ínterim, apenas com o terceiro, pelos embates travados circunscritos à concepção exata da realidade fenomênica da consunção.


2. Generalidades em torno do Princípio da Consunção:

Muitas vezes, ocorre de uma ou mais infrações penais servirem de meios necessários, ou seja, normais fases preparatórias ou de execução, para a prática de uma outra, mais grave que aquelas. Noutras situações, um ou mais ilícitos penais constituem condutas anteriores ou posteriores do cometimento de outro, cujo tipo penal prevê pena mais severa, ou, o agente, tendo em mira uma infração penal, pratica-a, mas logo se prontifica a desenvolver outra.

Em cada uma dessas hipóteses — que ocorrem com bastante freqüência no cotidiano jurídico-penal — há um problema a ser resolvido. Na primeira, pergunta-se, os tipos penais dos "ilícitos-meios", i. e., que configuram fases preparatórias ou executórias do "ilícito-fim", incidem sobre o sujeito? E as condutas anteriores e posteriores ao delito de maior gravidade, cometidas contra o mesmo bem jurídico de um mesmo sujeito passivo, merecerão represália penal? E aquele crime antes tomado como fim do agente, mas logo depois por ele ignorado, cometendo outro, no mesmo iter criminis, prejudicá-lo-á, cominando-lhe também a sua pena?

A resposta a todas as questões é negativa. Quando uma ou mais infrações penais figuram unicamente como meios ou fases necessárias para a consecução do crime-fim, ou quando simplesmente se resumem a condutas, anteriores (antefactum) ou posteriores (postfactum), do crime-fim, estando, porém, insitamente interligados a este, sem qualquer autonomia portanto (pois o contrário daria margem ao concurso real de crimes), ou quando ocorre a chamada progressão criminosa (mudança de finalidade ilícita pelo agente), o agente só terá incorrido no tipo penal mais grave.

É o que determina o princípio da consunção, para o qual em face a um ou mais ilícitos penais denominados consuntos, que funcionam apenas como fases de preparação ou de execução de um outro, mais grave que o(s) primeiro(s), chamado consuntivo, ou tão-somente como condutas, anteriores ou posteriores, mas sempre intimamente interligado ou inerente, dependentemente, deste último, o sujeito ativo só deverá ser responsabilizado pelo ilícito mais grave. No dizer de Damásio de Jesus, "nestes casos, a norma incriminadora que descreve o meio necessário, a normal fase de preparação ou execução de outro crime, ou a conduta anterior ou posterior, é excluída pela norma a este relativa. Lex consumens derogat legi consumptæ" (2).

Ao contrário do que ocorre no princípio da especialidade, o da consunção só pode ser analisado e aplicado tendo-se em vista o caso concreto, i. e., a consunção exige um confrontoin concreto das leis que descrevem o mesmo fato como criminoso/contravencional, em vista de que uma infração penal não pode ser tida, a priori, ou de per si, como consuntiva, imprescindindo-se da análise de todas as circunstâncias com as quais ela concorreu(3). Se tomo, p. ex., o crime de furto qualificado (art. 155, § 4º, do Código Penal), não posso, de antemão, dizer que ele é consuntivo, pois que dele, em si, nada se pode aferir quanto até mesmo a sua correspondência íntima com outro crime. Abstratamente, enfim, é impossível saber-se se ele é, ou não, consuntivo.

No entanto, se digo que o agente A, com o intuito de furtar bens de uma residência, escala o muro que a cerca e, utilizando-se de chave falsa, abre-lhe a porta e penetra no seu interior, subtraindo-lhe os bens e fugindo logo em seguida, posso com toda a certeza afirmar que o princípio da consunção se faz presente: o crime consuntivo (que é sempre mais grave que os consuntos), i. e., o furto qualificado pela escalada e pelo emprego de chave falsa (art. 155, § 4º, II, 3ª figura, e III, do Código Penal) absorve o consunto, vale dizer, a violação de domicílio qualificada (art. 150, § 1º, 1ª figura, do Código Penal), que lhe serviu de meio ou fase executória necessário(a).

Segundo Jiménez de Asúa(4), a consunção pode produzir-se:

a) quando as disposições se relacionam de imperfeição a perfeição (atos preparatórios puníveis/tentativa e tentativa/consumação);

b) de auxílio a conduta direta (partícipe/ autor);

c) de minus a plus (crimes progressivos);

d) de meio a fim (crimes complexos); e

e) de parte a todo (consunção de fatos anteriores e posteriores).

Nosso trabalho aqui desenvolvido tem o fito de apreciar, tão-somente, os motivos determinantes e as correspondentes conseqüências da aplicação do princípio da consunção aocrime progressivo e à progressão criminosa, haja vista serem estes dois institutos os ensejadores das maiores polêmicas e celeumas travadas entre os doutrinadores.


3. Do que vem a ser concebido como "crime mais grave":

Antes de lançarmos nosso olhar ao crime progressivo e à progressão criminosa, chamemos atenção para o que venha a ser definido e entendido como "crime mais grave", pois que de tal averiguação é que se poderá, eficazmente, apontar com clareza e exatidão qual ou quais os delitos consuntos, e qual o consuntivo, fazendo-se, assim, a lídima justiça no caso prático.

Na terminologia do Direito Penal Positivo(5), "crime mais grave" é simplesmente o crime cujo tipo penal prevê sanção mais rigorosa, quantitativa e/ou qualitativamente, que a prevista nos tipos penais dos "crimes menos graves".

Em sendo assim, se tomo exemplificativamente dois delitos, A e B, será tido como quantitativamente "mais grave" aquele que apresentar, em sua previsão legal (previsão da sanctio juris in abstracto), pena máxima superior que a do outro. Caso as penas máximas sejam idênticas, ver-se-á qual deles possui a pena mínima maior, e esse delito é que será o "mais grave". O critério quantitativo é o observado na enorme maioria dos casos de consunção.

          Qualitativamente — e nesse caso só terá sentido a inquirição do "crime mais grave" se as penas mínima e máxima forem simultaneamente idênticas, o que é bastante raro que ocorra —, no entanto, ter-se-á como "crime mais grave" o apenado com reclusão, que, ao contrário da detenção, prevê o regime fechado de execução da pena(6).

No caso de sanções exatamente idênticas, como ocorre entre os crimes de estelionato (art. 171 do Código Penal) e falsidade de documento particular (art. 298 do Código Penal) — reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa —, poderemos ter, de acordo com a hipótese fática e com o posicionamento que se adote, duas soluções. Se se entender que os ilícitos envolvidos guardam entre si relação de consunção (quando então objetos jurídicos e sujeitos passivos deverão ser idênticos em ambas as infrações), ocorre absorção do primeiro pelo segundo, seja porque se compreenda um deles necessário ao subseqüente (crime progressivo), seja porque o primeiro que for praticado é antefactum impunível, que também é hipótese de crime progressivo, como veremos no próximo item. Por outro lado, caso não guardem (ou se entenda não guardarem) relação de absorção, como é de nosso entendimento, haverá lugar para o concurso de crimes (de ordinário, material).

Não existem, ao nosso ver, critérios rígidos nesse sentido, mas um mínimo deles far-se-á mister como parâmetros de referência toda vez que exsurgir um conflito aparente entre normas penais que deva ser solucionado pelo princípio da consunção, em uma das duas modalidades objetos de nosso estudo, crime progressivo ou progressão criminosa. E, a bem da verdade e da prossecução da justiça, muito embora não se possa arvorar de desejar que sejam adotados os critérios supra relacionados, ao menos plausíveis eles se apresentam para uma fundamentada fixação dos crimes consuntos e consuntivos.


4. Crime Progressivo

          4.1. Noções Preliminares:

Fala-se que existe crime progressivo quando o sujeito, para alcançar um resultado normativo (ofensa ou perigo de dano a um bem jurídico), necessariamente deverá passar por uma conduta inicial que produz outro evento normativo, menos grave que o primeiro. Noutros termos: para ofender um bem jurídico qualquer, o agente, indispensavelmente, terá de inicialmente ofender outro, de menor gravidade — passagem por um minus em direção a um plus.

Em tais casos, o crime-fim pretendido pelo agente (plus), para ser efetivamente consumado, só será alcançado quando o agente, diante do caso concreto, percorre um crime-meio (minus), sempre de menor gravidade: um delito está como que "no meio do caminho" (crime consunto) que levará o autor ao seu "destino" (crime consuntivo).

Ao agente, então, não serão imputadas duas normas penais, a que descreve o crime-meio e a que prevê o crime-fim: como para se chegar a este plus é, repita-se, não só "útil" como mesmo indispensável passar-se pela consumação dum minus, este é absorvido por aquele, e só a título do plus responderá o agente.

Vários são os exemplos que se pode considerar na consunção de minus a plus: os doutrinariamente qualificados como "crimes de dano" (que ofendem um bem jurídico), por exemplo, absorvem os "crimes de perigo" (os que ameaçam ofender um bem jurídico); o crime de seqüestro (art. 148 do Código Penal) é absorvido pelo de redução de alguém a situação análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal); o estupro (art. 213 do Código Penal), o atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal), a posse sexual mediante fraude (art. 215 do Código Penal), o atentado ao pudor mediante fraude (art. 216 do Código Penal) e a sedução (art. 217 do Código Penal), se praticados contra ofendida maior de 14 e menor de 18 anos e honesta, absorvem o crime de corrupção de menores (art. 218 do Código Penal) — se a conduta não caracteriza as elementares daqueles, permanece a corrupção, presentes todos elementos típicos que perfazem a sua essentialia, evidentemente.

          4.2. Antefactum Impunível:

Como apontamos alhures (vide item 2), podem ocorrer hipóteses em que o sujeito ativo pratica uma conduta penalmente ilícita (criminosa ou contravencional) que ofende um determinado bem jurídico pertencente a um certo sujeito passivo, e depois — não necessariamente imediatamente ou logo após, porquanto o lapso temporal que separa uma conduta da outra poderá apresentar-se longo — pratica outra, mais grave que a primeira, tendo em comum com aquela o fato de ofender aquele mesmo bem jurídico, do mesmo sujeito passivo.

Em tal caso, indaga-se: o agente deverá responder pelas duas infrações penais, em concurso material? Segundo o princípio da consunção, quando a primeira infração ofende o mesmo bem jurídico, de um mesmo sujeito passivo, da segunda, mais grave, tem-se que a anterior é absorvida pela posterior, pelo que se diz que o primeiro fato é antefactum (ou antecedente) impunível. Ao agente só será imputada a norma incriminadora do crime por último praticado, i. e., pune-se apenas a segunda infração porque esta representa um grau de ofensa ao bem jurídico maior que a primeira — o ilícito de maior potencialidade lesiva (crime posterior) integra o de menor (antefactum impunível), absorvendo-o.

Tomemos um exemplo: O art. 291 do Código Penal pune, com reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, quem "fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda". Suponha-se que o agente pratique uma das condutas descritas no tipo penal e, em seguida, cometa o delito de falsificação de papel-moeda (art. 289 do Código Penal), de sanção penal abstrata variando entre 3 (três) a 12 (doze) anos de reclusão. Por que infração penal vira ele a ser condenado? O agente só responde pelo crime de "moeda falsa", que absorve o crime anterior ("petrechos para falsificação de moeda").

Qual a razão para que o bem jurídico e o sujeito passivo das duas infrações penais, o antefactum impunível (consunta) e a posterior (consuntiva), sejam simultaneamente — e não apenas alternativamente — idênticos? Simplesmente porque o Direito Penal, ao tutelar interesses de distintas naturezas, fá-lo com o fito de prestar garantia aos indivíduos em sociedade, e à própria sociedade, de que seus valores juridicamente reconhecidos sejam merecedores, sem exceção, da salvaguarda estatal, até porque as lesões a bens jurídicos diversos (exs.: vida e patrimônio) são, reciprocamente, infrações penais de diversas naturezas (exs.: homicídio e roubo simples).

Caso fosse diferente, isto é, se se seguisse a acepção de que um bem jurídico de maior valor enfeixa e abarca um outro, de menor valor porém de distintas natureza e essência, chegar-se-ia ao estapafúrdio de se sancionar o agente que cometera um homicídio contra uma mulher com a mesma severidade com a qual se ele a tivesse primeiramente seqüestrado para extorquir dinheiro dos familiares e depois a tivesse estuprado e, por fim, matado-a, já que para o Direito a vida é o bem de mais alto grau a ser protegido, e ela — se concebida fosse aquela idéia — absorveria os demais bens (liberdade pessoal, patrimônio e liberdade sexual feminina).

Em sendo assim, afirmar que um bem jurídico de diferente essência que a do outro, e mais relevante que este, absorve-o, é o mesmo que alegar falaciosamente que todo bem promana do valor jurídico imediatamente superior. Que relação causal imediata de origem existiria, e. g., entre a fé e a saúde públicas? Admitir isso é o mesmo que aceitar uma espécie de interdependência, por exemplo, entre os crimes de falsidade de documento público (art. 297 do Código Penal) e epidemia (art. 267 do Código Penal), o que só de muito longe — e mesmo assim mediante enorme "ginástica mental" — poderia ser efetivamente observado, haja vista que um não é gênero, nem fonte, do outro.

Cada bem ou objeto jurídico, portanto, possui a sua "independência" com relação aos demais.

Ao que diz respeito à necessidade de identidade de sujeitos passivos, a justificação é mais evidente e contundente ainda. Se dados dois bens jurídicos de distintas naturezas não se pode indicar aprioristicamente uma absorção do menos pelo mais relevante, com muito maior razão não se poderá apontar, de antemão, qual sujeito passivo representa "maior importância" dentro do campo do Direito Penal — a não ser que esses bens se encontrem em alguma daquelas circunstâncias legais ou supralegais de exclusão da ilicitude (mas então nesse caso estar-se-ia tecendo uma consideração aposteriorística da realidade dos fatos, enfocando os valores de maior e de menor importância diante do caso concreto).

Todos os cidadãos pertencentes a um mesmo grupo ou coletividade são, por mandamento constitucional, iguais, em direitos e deveres, sem distinção de qualquer natureza (princípio da isonomia — art. 5º, caput e inc. I, da Carta Política de 1988), razão pela qual a ninguém é dado o direito ou a obrigação de possuir mais ou menos direitos e obrigações, no campo jurídico-penal. Dessa maneira, a vida de X merece a mesma tutela que é dada ao cidadão Y, e vice-versa, sem qualquer preconceito ou discriminação.

          Ex positis, só há que se falar em antefactum impunível quando, cumulativamente:

1º) o objeto jurídico do crime posterior for idêntico ao do antefactum;

2º) o sujeito passivo do crime posterior for idêntico ao do antefactum.

Basta que os objetos jurídicos sejam distintos entre si (mesmo embora pertencentes ao mesmo sujeito passivo), ou que os sujeitos passivos sejam diferentes (ainda que o bem jurídico violado, ou ameaçado de ofensa, seja o mesmo nas duas infrações), para que não possa haver antefactum impunível, e o princípio da consunção estará elidido, devendo o agente responder por uma pluralidade de crimes (concurso real de normas penais, identificado, conforme o caso, como material, formal ou crime continuado) (7).

Uma parte dos doutrinadores oferece o antefactum impunível como espécie de progressão criminosa em sentido amplo (vide o item 5, infra). No entanto, acreditamos que a posição mais adequada do antefactum é mesmo na órbita do estudo do crime progressivo, senão vejamos.

Na progressão criminosa, os crimes anterior (menos grave) e posterior (mais grave) são cometidos no mesmo contexto, num mesmo iter criminis (ex.: o sujeito ativo quer, inicialmente, apenas surrar o desafeto, mas após decide matá-lo, no que logra êxito). Já o antefactum impunível é, de ordinário, cometido em certo momento, e apenas noutro — não integrado no mesmo iter — é que o crime mais grave vem a ser cometido. Exemplo: O sujeito compra hoje um documento falso, e amanhã o utiliza para prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Sobre ele não incide a norma do art. 297 ou 298 (respectivamente, falsidade de documento público e falsidade de documento particular), mas apenas a do art. 304 (uso de documento falso) (8).

Ademais, no crime progressivo o agente tem a intenção, ab initio, na prática do crime-fim, mais grave. No entanto, terá de perpassar um crime menos grave, como fase necessária para alcançar seu objetivo. A intenção do sujeito ativo é única, portanto, do início ao fim do labor delinqüencial de que lança mão, como ocorre nos delitos de dano, que absorvem os de perigo.

antefactum impunível, talqualmente é estudado pelos autores — mesmo entre aqueles, como Damásio de Jesus, que o acolhem como espécie pertencente à progressão criminosa —, não mereceu outro tratamento. Nele, o agente, ante o caso concreto no qual atua, deve praticar um crime como meio ao cometimento de outro, mais grave, e que sempre fora o (único) objetivo delituoso, como na hipótese do ladrão que, pretendendo furtar os pertences de uma residência, vale-se da violação de domicílio para a subtração patrimonial(9). Em ambos os casos (no crime progressivo como ele é pacificamente estudado e no antefactum impunível, tido como alguns como "modalidade" de progressão criminosa em sentido amplo) há duas características marcantes:

1ª) existem crimes-meios de que o agente se vale, no caso concreto, para alcançar o crime-fim, mais grave, que os absorve;

2ª) a intenção do agente, desde o início do cometimento dos crimes-meios (ou mesmo antes deles) sempre fora a prática do crime-fim.

De outro lado, na progressão criminosa em sentido amplo o agente delibera na prática de um crime e, durante o mesmo, no mesmo iter criminis, decide ir mais além, determinando-se a alcançar outro delito, mais grave, como na hipótese de quem almeja apenas torturar a vítima e, no decorrer das atrocidades, decide matá-la. A estrutura da progressão criminosa, diferentemente da do crime progressivo (e, ao que nos parece, do antefactum impunível, que para nós faz parte da estrutura lógica do crime progressivo), tem os seguintes caracteres essenciais:

1º) o agente pratica um crime, e depois um outro, "aproveitando-se" do iter criminis do primeiro, dando-lhe seguimento;

2º) o agente, no início, desejava apenas cometer o primeiro delito, mas no decorrer de seu crime, no mesmo iter, decide praticar outro, mais grave (progressão criminosa em sentido estrito) ou não (postfactum impunível).

semelhança entre o crime progressivo (de que é espécie o antefactum impunível) e a progressão criminosa reside em que, em ambos, um crime absorve os outros, anteriores e menos graves. A semelhança é, pois, notada sob o ponto de vista objetivo.

distinção que fazemos é que no crime progressivo a intenção do agente é única e dirigida à perpetração do delito de maior gravidade; na progressão criminosa, o agente em primeiro lugar lança sua vontade à prática de um crime e, após, porém no mesmo iter, vai além, decidindo, agora, cometer crime mais grave (ressalve-se a hipótese de postfactum, no qual o ilícito posterior é menos lesivo que seu antecedente). A distinção que se faz é, portanto, dotada de um critério subjetivo: unicidade de intenção no crime progressivo e pluralidade de intenções na progressão criminosa.

Os autores que estudam o antefactum como que integrado à progressão criminosa em sentido amplo, e não ao crime progressivo, argumentam que assim ocorre porque o crime progressivo pressupõe um só fato, e a progressão criminosa, assim como o antefactum, pressupõem uma pluralidade de fatos.

Isso não nos convence, pois, se assim é, o crime progressivo nem sequer deveria estar sendo estudado como que hipótese de aplicação do princípio da consunção, e sim da subsidiariedade, visto que, por exemplo, dizer que o crime de dano absorve o de perigo, como asseveram aqueles mesmos autores, é simplesmente afirmar categoricamente (ainda que não explicitamente) que o último é subsidiário do primeiro, integrante que é do tipo penal do crime de dano. Crime progressivo, segundo entendemos, tanto pode pressupor um único fato como vários fatos, que é exatamente o caso do antefactum.

Compreendemos que a diferença entre crime progressivo e progressão criminosa está mesmo em seu elemento subjetivo e no iter criminis percorrido pelo agente.

          Subjetivamente, consoante afirmamos retro, no crime progressivo subsiste unicidade de intenção; na progressão criminosa, há tantas intenções quantos forem os delitos praticados pelo agente, devendo no entanto o mais grave absorver os demais. Daí porque na progressão criminosa errônea a denominação, aos crimes menos graves, de "crimes-meios", pela simples razão de que não são meios de coisa alguma, senão delitos aos quais o próprio agente aderiu como fins, mas que no decorrer do iter preferiu, mediante outra intenção, outra vontade, ir mais além(10). Espancando qualquer dúvida que porventura ainda possa subsistir, em síntese existe, no crime progressivo, apenas um único crime-meio, ou uma pluralidade de crimes-meios, porém, em qualquer e todo o caso, um único crime-fim; na progressão criminosa, apenas e sempre uma pluralidade de crimes-fins, dos quais apenas um prevalecerá, o mais gravoso.

O critério subjetivo é o mais marcantemente apreensível (e o mais fácil de ser observado) no momento em que se verificar a ocorrência de um crime progressivo pelo antefactumimpunível ou de uma progressão criminosa. Isso porque dois crimes, quando cometidos sucessivamente, apenas de acordo com a intenção primeira do agente é que poderão ser distinguidos quanto à relação de consunção que se opera, se crime progressivo ou progressão criminosa. Por exemplo, guarde-se mais uma vez a hipótese de quem viola um domicílio e furta os bens de seu interior. A relação aqui demonstrada implica crime progressivo ou progressão criminosa? Aparentemente, um crime progressivo, contanto que a intenção do agente haja sido, desde o início, a de furtar. Mas, supondo-se que ele pretendia apenas penetrar na casa alheia e, já em seu interior, decida de lá furtar alguns objetos, a relação em exame é a de uma nítida progressão criminosa.

É, pois, o elemento subjetivo que definirá se os crimes cometidos formam uma relação consuntiva do tipo crime progressivo ou progressão criminosa.

Quanto ao iter criminis, no crime progressivo ou existe um único fato (ex.: o estupro absorve a corrupção de menores), e então evidentemente só há que se falar em um único iter criminis; ou vários fatos, cometidos sucessivamente (aplicação do conceito de antefactum impunível), e em tal hipótese o iter do crime progressivo representará a adição, sob o aspecto lógico-cronológico, de todos os crimes-meios (que serão atos preparatórios ou executórios do crime-fim) com a consumação do crime-fim.

Todavia, no antefactum muitas vezes os crimes-meios e o crime-fim não se verificam tão próximos no tempo, como é o caso de quem falsifica um documento particular para, dias após, utilizá-lo na prática de estelionato. Numa situação como esta, cada crime-meio tem seu iter perfeitamente delimitado (ao contrário do que ocorre com quem viola domicílio e logo subtrai objetos adentro encontrados). Na progressão criminosa é essencial a pluralidade de fatos, e já a partir daí delineamos a sua distinção com o crime progressivo quando neste a hipótese for de fato único (e. g., o homicídio absorve a lesão corporal).

Mais difícil é a distinção, no que toca ao iter criminis, entre a progressão criminosa e o crime progressivo na "modalidade" de antefactum impunível. Em verdade, ainda que não entremos em acordo com aqueles que observam no antefactum um conceito integrante do de progressão criminosa em sentido amplo, somos forçados a admitir que diferença não há entre um e outro quando, no caso ventilado, existe uma proximidade muito grande entre a prática dos crimes-meios e a do crime-fim, pois que este opera dentro de um mesmo contexto, tal qual acontece com a progressão criminosa: a distinção só resultaria, entre o antefactum e a progressão criminosa, quanto ao critério subjetivo, que é o mais fácil de ser percebido, como já dissemos. Entretanto, havendo uma maior distância, no tempo, entre os crimes-meios e o crime-fim, ter-se-ão os iter criminis dos crimes-meios perfeitamente delimitados, além do que o crime-fim não terá se dado — como ocorre na progressão criminosa — em proveito direto e imediato do iter criminis dos crimes consuntos.


5. Progressão Criminosa:

Nalguns casos, pode ocorrer que o agente deseje a prática de um ilícito penal e se prontifique a executá-lo, utilizando-se dos meios necessários para o seu cometimento. No entanto, antes, durante ou após cometer aquela infração penal, decide ir mais além, perpetrando outra conduta que, pertencente ao mesmo iter criminis, num mesmo contexto, é mais grave que a anterior, já cometida. Exemplo: O agente decide praticar lesões corporais em seu desafeto, e o faz, mas logo após decide matá-lo. In casu, crimes diferentes — sendo o homicídio mais grave que as lesões corporais —, num mesmo iter criminis, mas que causam a ofensa, ou o perigo de ofensa, a bens jurídicos distintos pertencentes a um mesmo sujeito passivo.

Por fim, pode o sujeito ativo praticar um ilícito penal que ofende um mesmo bem jurídico X pertencente a um mesmo sujeito passivo Y, e depois, dentro ou não de um mesmo contexto (de tempo, lugar e modus operandi), pratica outro, menos grave que o anterior, contra o mesmo bem jurídico X, do mesmo sujeito passivo Y. Nessa hipótese, crimes diferentes, sendo o posterior menos grave que o anterior, ambos importando na ofensa, ou no perigo de ofensa, a um mesmo bem jurídico pertencente a um mesmo sujeito passivo.

Nas duas hipóteses supra citadas temos o que se chama de "progressão criminosa em sentido amplo". A primeira hipótese é conhecida pela doutrina sob a denominação de "progressão criminosa em sentido estrito", e a segunda, "postfactum impunível". Em ambas há responsabilidade criminal por delito único, e não por dois (como a priori se poderia supor), graças ao princípio da consunção.

Há quem credite ao antefactum impunível ser ele uma espécie do gênero progressão criminosa em sentido amplo, com o que discordamos, pelas razões que expomos no subitem 4.2,supra. Assim é que propugnamos o estudo da progressão criminosa como em vindo a se limitar, apenas, à progressão criminosa em sentido estrito e ao postfactum impunível.

          5.1. Progressão Criminosa em Sentido Estrito:

A progressão criminosa em sentido estrito muito se assemelha ao crime progressivo, mas com este não se confunde.

Decerto, a progressão criminosa em sentido estrito, do ponto de vista objetivo, nada mais é do que a absorção de um ou mais crimes que, pertencentes a um mesmo iter criminis, é/são absorvido(s) pelo último, sempre mais grave. A diferença, no entanto, está em que enquanto no crime progressivo os delitos menos graves são meios de que o agente se utiliza para a prática do crime-fim, mais grave, na progressão criminosa em sentido estrito o que o agente intenciona é a prática de um certo crime (este é, em princípio, o seu fim); porém, durante ou depois da execução ou consumação, ele decide ir mais além, prontificando-se a cometer delito mais grave (há como que uma transmutação finalística do querer delituoso).

Isso significa dizer o seguinte: no crime progressivo, o agente, desde o início, está determinado a cometer um ilícito penal X, delito este que para ser alcançado precisa, no caso concreto, passar necessariamente pelos ilícitos YZ, etc., menos graves que X, e por este absorvidos. Porque, se bem que YZ, etc., constituam ilícitos autônomos, eles, diante do caso concreto, funcionam como meras fases sucessivas — e portanto de menor gravidade — que convergem a uma finalidade última, o ilícito penal X, sempre com maior poder de lesão ou de perigo de lesão. As "fases sucessivas" (crimes-meios), por conseguinte, são absorvidas pela "finalidade" (crime-fim), finalidade esta que, em última análise, sempre foi, antes, durante e depois da execução de suas "fases sucessivas", a vontade do agente — finalidade subjetivamente imutável durante todo o percurso do iter criminis —, como no exemplo do ladrão que, para furtar objetos duma casa (art. 155 do Código Penal), precisa antes violá-la (art. 150 do Código Penal).

Já no que tange à progressão criminosa em sentido estrito, o agente deseja cometer um fato típico e antijurídico X contra um certo sujeito passivo. No entanto, durante ou depois de sua execução, ou de sua consumação, decide perpetrar ilícito penal Y, de maior gravidade, contra aquele mesmo sujeito passivo. Exemplo: O sujeito, desejando apenas ofender a integridade corporal do seu inimigo, espanca-o (art. 129 do Código Penal); logo após, por um motivo qualquer, determina-se a matá-lo, e o mata (art. 121 do Código Penal). Nesse caso, o crime por último praticado (homicídio) absorve o anterior (lesão corporal), pelo princípio da consunção, tal como ocorre com o crime progressivo. A distinção, no entanto, está em que neste último a finalidade ilícita do agente sempre fora a mesma, não se modificou durante o prolongamento do contexto em que se encontrara. Na progressão criminosa em sentido estrito, a finalidade do agente antes era uma, e durante ou após atingi-la (quer dizer, quando da prática do delito a que ele se propunha primeiramente) decide cometer, contra o mesmo sujeito passivo, ilícito mais grave.

Portanto, na progressão criminosa em sentido estrito a finalidade encontrada no volitismo do agente era uma (e. g., somente perturbar a tranqüilidade de alguém, por acinte ou por motivo reprovável — art. 65 da Lei das Contravenções Penais). Após, põe em mente outro fim, no qual o ilícito que o constitui (e. g., injúria — art. 140 do Código Penal) é mais grave que o anterior, e absorvente deste: lex consumens derogat legi consumptæ(11).

No entanto, não há lugar para se falar em "ilícito(s)-meio(s)" na progressão criminosa em sentido estrito, até porque, aqui, fala-se em pluralidade de finalidades, sendo a derradeira mais grave que as anteriores, ao contrário do que ocorre no crime progressivo, no qual se encontram ilícitos-meios para a consecução de um único (e imutável no iter criminis) fim.

O fundamento jurídico-penal para a consunção do crime anterior, de menor gravidade, pelo posterior, de maior poder ofensivo, é que o objeto jurídico ofendido pelo segundo ilícito penal, dada a sua natureza e amplitude, abrange o do primeiro ilícito. É o que acontece com o bem jurídico "vida" tutelado pela norma do art. 121 do Código Penal, que abrange a "integridade física e a saúde", prevista no art. 129 do Código Penal: uma lesão corporal (mormente a grave) significa um perigo à vida de alguém, e a ofensa a esta, i. e., a morte de alguém, é o grau máximo de lesividade à saúde de outrem, ofensa esta que se traduz na destruição completa da integridade física e saúde da pessoa humana.

Destarte, na progressão criminosa em sentido estrito, o agente só terá de responder pelas conseqüências penais, processuais penais e executórias decorrentes do crimederradeiramente desejado e consumado, haja vista que a ofensa ao bem jurídico de maior relevância jurídico-penal, porém de mesma ou análoga natureza, mantém com a ofensa ao objeto jurídico de menor relevância uma espécie de relação de gênero e espécie. Ou melhor, o bem jurídico de menor relevância constitui, em última análise, uma projeção de menor grau do de maior importância para o Direito — pressupondo-se sempre, é claro, que ambos os bens pertencem a um mesmo sujeito passivo, e que ambos os ilícitos penais integram um mesmo contexto, um mesmo iter criminis, enfim.

Em sendo assim, nada mais lógico que punir o crime de maior gravidade, já que ele integra o de menor: quando se tem o mais, tem-se forçosamente o menos.

          5.2. Postfactum Impunível:

Hipóteses há nas quais o sujeito pratica duas infrações penais, uma posterior à outra, possuindo ambas em comum, no entanto, o fato de ofenderem ou exporem a perigo de lesão um mesmo bem jurídico, de um mesmo sujeito passivo. Quer dizer, dois delitos, XY, são ambos cometidos contra um mesmo bem jurídico (identidade de objetos jurídicos), de um mesmo sujeito passivo (identidade de sujeitos passivos), em contextos ou iter criminis distintos, de tempo e/ou lugar, assim como ocorre com a figura do antefactumimpunível.

Questiona-se, pois: Ao agente que pratica essas duas infrações penais deverão ser imputadas as normas que as descrevem, ou somente o tipo penal de uma delas tão-somente?

Segundo o princípio da consunção, quando a primeira infração ofende o mesmo bem jurídico, de um mesmo sujeito passivo, da segunda, menos grave que a primeira, tem-se que a posterior é absorvida pela anterior, pelo que se diz que o segundo fato épostfactum (ou fato sucessivo) impunível. Ao agente só será imputada a norma incriminadora do primeiro ilícito penal praticado, pelas mesmas razões de objetividade jurídica a que aludimos na progressão criminosa em sentido estrito, i. e., pune-se apenas a primeira infração porque esta representa um grau de ofensa ao bem jurídico maior que a segunda — o ilícito de maior potencialidade (infração anterior) integra o de menor (postfactumimpunível), absorvendo-o.

postfactum de um crime significa a aparente desobediência aos mandamentos imperativos de duas normas penais incriminadoras (o indivíduo pratica duas infrações penais, em contextos diferentes, sendo a posterior menos grave que a anterior), mas existe um único bem jurídico ofendido e um único sujeito passivo vitimado. Quem rouba um carro e depois o vende a outrem (sabendo este terceiro da procedência criminosa do veículo) não responde por disposição de coisa alheia como própria (art. 171, § 2º, I, do Código Penal), mas apenas pelo roubo (art. 157 do Código Penal).

Na definição de postfactum impunível, assim já se explicou e exemplificou(12):

"Existe o postfactum impunível quando um fato posterior menos grave é praticado contra o mesmo bem jurídico e do mesmo sujeito passivo, para a utilização de um fato antecedente e mais grave, e disto para deste tirar proveito, mas sem causar outra ofensa. Assim, se após o furto o ladrão destrói a coisa subtraída, só responde pelo furtum rei, e não também pelo dano (Código Penal, art. 163). Neste caso, a lesão ao interesse jurídico causada pela conduta precedente torna indiferente o crime de dano."

No postfactum impunível, da mesma forma como ocorre com o antefactum, é necessário que se trate de um mesmo bem jurídico e de um mesmo sujeito passivo. Se, por exemplo, o ladrão subtrai uma valiosa pintura alheia e, quando cercado o seu esconderijo pela polícia, destrói-a, não há o que se falar de concurso com crime de dano. Existe apenas responsabilidade por um único crime, o de furto, pois o bem jurídico é um só, o patrimônio, e o sujeito passivo é o mesmo (proprietário da pintura). O sujeito ativo subtraiu e destruiu um bem pertencente a uma mesma pessoa(13).

Dessa forma, se por exemplo X subtrai ou rouba um objeto de Y e depois o vende a Z, conhecedor da origem da res, o primeiro responderá apenas por crime de furto ou roubo, e Y, somente por receptação. No entanto, se Z compra o bem de boa-fé (i. e., ao contrário do primeiro exemplo, ele sinceramente acredita que a coisa pertence de fato a X, e não que ela tem procedência criminosa), não responderá por delito algum(14). Devem, porém, a X ser imputadas as conseqüências e efeitos penais e processuais penais do crime de furto (art. 155 do Código Penal) ou roubo (art. 157 do Código Penal) contra Y, e por disposição de coisa alheia como própria (art. 171, § 2º, I, do Código Penal) contra Z, haja vista que, apesar da identidade de objetos jurídicos violados — o furto, o roubo e o estelionato integram o Título II da Parte Especial do Código Penal, os "crimes contra o patrimônio" —, os delitos foram perpetrados contra vítimas diferentes.

Na hipótese, o agente responde por dois crimes em concurso material (regra do art. 69 do Código Penal — cumulação das penas), pois está violando o bem jurídico (patrimônio) de Y, vítima da subtração, e de Z, que adquiriu de boa-fé a coisa de X como se a este realmente pertencesse.

Outros exemplos poderão ser ainda analisados. A doutrina vez ou outra cita o caso de quem falsifica documento público e depois dele faz uso, seja para prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Responderá o agente por dois delitos, falsidade de documento público (art. 297 do Código Penal) e uso de documento falso (art. 304 do Código Penal)? Haja vista o princípio da consunção, o agente apenas por falsidade de documento público haverá de ser condenado, porquanto o segundo delito, menos grave que o primeiro, é postfactum impunível deste: o agente ofendeu, em ambas as infrações penais, um mesmo bem jurídico (fé pública) de um mesmo sujeito passivo (Estado).

No entanto, de qualquer sorte não se poderá falar em consunção — e nesse caso a lei não será tão "benevolente" — na hipótese de o agente ter falsificado o documento para "obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio", com o seu uso "induzindo alguém em erro". Aqui, o delinqüente cometera dois delitos em concurso: falsidade de documento público (art. 297 do Código Penal) — cujos objeto jurídico e sujeito passivo são, respectivamente, a fé pública e o Estado — e estelionato (art. 171 do Código Penal), no qual o objeto jurídico (patrimônio) e o sujeito passivo ("alguém") são distintos(15).

Em contrapartida, questão que poderia ser suscitada é: Se no postfactum o crime posterior é menos grave, e na progressão criminosa em sentido estrito é exatamente o último delito que é o mais grave, consuntivo, absorvente dos anteriores, por que ambos são tratados como modalidades ou espécies de progressão criminosa em sentido amplo? Porque,subjetivamente, tanto em um quanto em outra há pluralidade de finalidades, vale dizer, pluralidade de intenções/fins, de forma que há tantas vontades quantos forem os ilícitos cometidos, na mesma sucessão contextual, pelo agente.

E a distinção entre ambos? Como acabamos de assinalar, na progressão criminosa em sentido estrito o último ilícito penal cometido é que é o consuntivo; o seu tipo penal, e não o de outro, é que incidirá no caso concreto. No postfactum impunível, o crime mais grave (consuntivo) é exatamente o primeiro, e não os ulteriores, que são absorvidos. Por exemplo, quem furta um objeto e depois o destrói só responde por furto (1 a 4 anos de reclusão, e multa), não por este e por dano (1 a 6 meses de detenção, ou multa) em concurso material.


6. Conclusões:

A insurgência do concurso de normas merece uma atenção de todo especial, visto que, como explanamos exaustivamente, de sua solução é que o exegeta e o aplicador da lei encontrarão os subsídios para fazer valer a melhor série de conseqüências penais, processuais e executórias, caso a caso.

Entrementes, como transparece inequívoco, não se prescinde, em primeira mão, da cognoscibilidade de o concurso ser real ou aparente(16), conseguintemente, de permitir-se a incidência de mais de uma norma jurídico-penal sobre um mesmo caso concreto, sob pena de, em pensar o intérprete tratar-se de concurso formal ou material de delitos, operar em reprovável e inadmitido bis in idem. Após, em se cogitando e afirmando pela subsistência de concurso aparente de normas, necessário será solucioná-lo, estabelecendo-se doravante o pressuposto básico dessa solução: o princípio correto ao caso sub specie.

Concluindo-se pelo princípio da consunção, restará, agora, fazer jus à sua modalidade adequada, havendo de termos em mente, sempre, que os delitos ensejadores do conflito de normas ofendam ou ao menos determinem-se a ser potencialmente lesivos a uma mesma objetividade jurídica, de titularidade de um mesmo sujeito passivo ou (biopsiquicamente falando) de uma mesma vítima. Ressalte-se que, do contrário, face a face estaremos nos defrontando com um real concurso de crimes.

No tocante ao crime progressivo e à progressão criminosa, interessante é notar-se que, muito obstante a unanimidade da doutrina aponte-os como modalidades, espécies ou "faces" pelo que se rege a consunção, não despiciendo é apregoar que, à guisa dos exemplos que são mostrados a latere, o que neles existe mesmo é, ao contrário que fora dito de plano no item 1 de nosso trabalho, uma pluralidade de infrações, sendo todas elas, com exceção de uma, absorvidas. Donde porque talvez fossem melhormente estruturados os elementos do conflito aparente de normas da seguinte forma: responsabilidade criminal por uma única infração penal (ao invés, simplesmente, de "unidade de infração", conceito restritíssimo diante da dinamicidade de fatores e possibilidades de aplicação da consunção) e pluralidade de normas identificando o mesmo fato como delituoso.

Não sendo dessa forma, isto é, permanecendo aquela sistemática da "unidade de fato", e então passaríamos a indagar por que, então, o crime progressivo e a progressão criminosa,que incontestavelmente apresentam no bojo de sua conceituação uma pluralidade de fatos, são estudados como que hipóteses de conflitos aparentes entre normas penais.

Em outro compasso, não poucos doutrinadores deixam de vislumbrar, no crime progressivo, um instituto tão amplo que acaba alicerçando o estudo do antefactum impunível. Corrigindo essa falha, e não se olvidando que tanto no crime progressivo quanto no antefactum o que o agente deseja, desde o início de seu volitismo delinqüencial, é a consumação do crime-fim, ou seja, levando-se em consideração o aspecto subjetivo — que é o que seguramente distingue, no tempo e no espaço, o crime progressivo da progressão criminosa —, oantefactum acha-se muito mais adequado às premissas e à teleologia do crime progressivo.

De outra parte, e corroborando com isso, sem embargo de discrepâncias que poderão ulteriormente surgir em contraposição à nossa tese, a progressão criminosa em sentido amplo mais se aproxima (para não dizer mesmo que se identifica), tão-somente, com a progressão criminosa em sentido estrito e o postfactum impunível, visto que neles, e apenas neles (e jamais no antefactum, como pudemos comprovar) é que o agente exerce uma atividade psíquica volitiva finalisticamente dirigida a um resultado e, após, durante o iter criminis dessa atividade, lança-se à propositura de outra, com fim diverso do primeiro.

Daí porque, com algum juízo de plausibilidade, aproveitamos para aclarar que a progressão criminosa mostra-se mais como uma "aventura delituosa" do agente do que um seu comportamento calculado, porquanto (quando muito) apenas a primeira infração é que é planejada, cabendo às sucessivas uma aprovação de seu cometimento quando já desencadeada a cadeia causal da primeira. No crime progressivo, em seu turno, o sujeito ativo revela-se mais acautelado do que e quando exatamente irá perpetrar todos os ilícitos-meios que o dirigirão indispensavelmente, no caso concreto, à sua ultima ratio, o ilícito-fim.

Paralelamente a toda essa "arrumação" dos elementos e modalidades do crime progressivo e da progressão criminosa em sentido amplo, que fora o intento precípuo desse trabalho, não poderíamos deixar de lado a distinção entre o postfactum impunível e a progressão criminosa em sentido estrito. Num e noutra o aspecto ôntico-subjetivo é idêntico, a pluralidade intencional, no percalço do iter criminis, no agente. Objetivamente, contudo, nada mais insofismável e cristalino do que, no postfactum, os delitos sucessivos são absorvidos, pois estes é que se revelam menos graves, ao passo que na progressão criminosa em sentido estrito o último deles, porque mais grave que seus antecessores, é que, validamente, faz-se subsistir na solução do conflito.


NOTAS

  1. Os concursos material e formal, bem como o crime continuado (que nada mais representa que um concurso material de infrações penais que o Direito Penal, fictamente, regula como ilícito único, "pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes"), que são espécies de concorrência real de normas penais incriminadoras, estão definidos, respectivamente, nos arts. 69, 70 e 71, do Código Penal brasileiro.
  2. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 19ª ed., 1995, p. 99, § 1º.
  3. Eis, p. ex., a lição de José Frederico Marques (apud JESUS, op. cit., p. 99, § 4º), corroborada pelos demais autores penalistas, ao comparar o princípio da consunção (cuja observância dos fatos sobre eles a incidir o princípio deve sempre dar-se in concreto) com o da especialidade (cuja visão é perceptível in abstracto): "Na relação consuntiva não há o liame lógico que existe na da especialidade. A conclusão é alcançada não em decorrência da comparação entre as figuras típicas abstratas, mas sim pela configuração concreta do caso de que se trata."
  4. ASÚA apud JESUS, op. cit., p. 99, § 5º.
  5. Nesse caso estamos deixando de lado qualquer apreciação valorativa individual, porquanto um valor X (ex.: vida) que para o Direito é considerado mais importante que Y (ex.: liberdade), e portanto um crime que ofende aquele primeiro é que é merecedor da denominação de "crime mais grave", poderá não o ser para muitas pessoas da coletividade, ou até mesmo nem o ser para a própria coletividade.
    Isso importa dizer que, feliz ou infelizmente, o que se cuida quando da averiguação dos delitos mais graves é o critério puramente sancionatório, de natureza positivo-dogmática, não cabendo razões e discussões quanto à (maior) justiça ou injustiça em apenar-se mais severamente um determinado ilícito penal que outro, ainda que a carga axiológica da coletividade como um todo tenda a sentido diametralmente oposto.
    Em resumo, o que é digno, ou não, de maior tutela jurídica — e, por conseqüência, a infração penal que é mais ou menos merecedora de reprimenda penal — fica ao talante de nossos legisladores, e apenas a eles.
  6. Alguns poderão desejar refutar a tese de que a reclusão não implica severidade maior que a detenção porque (segundo afirmariam), na prática, não é bem isso o que ocorre. Sem embargo disso, o certo é que se o legislador previu à pena privativa de liberdade que ela seria executada em regime de reclusão ou de detenção (art. 33 do Código Penal), é porque quis distinguir esses dois institutos. Se não, para que finalidade os preceitos secundários das normas incriminadoras fazerem expressa menção ao instituto ora da reclusão, ora da detenção? Daí porque, muito embora de fato sejamos surpreendidos com práticas contrárias ao estabelecido em lei, a reclusão, ao prever o regime fechado, é, com toda a certeza, ao menos do ponto de vista da lei (que é, aqui, nosso parâmetro, e não um dever-ser metajurídico eivado de ilegalidade, perceba-se), mais severa.
  7. Essa constatação é apoiada por: GRISPIGNI apud NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 14ª ed., 1977, p. 290, § último.
  8. O "mesmo contexto", do crime progressivo, há de ser averiguado prudentemente, pelas condições e circunstâncias de tempo (principalmente), lugar e o modus operandi, tudo dentro de um mesmo e único iter criminis (o crime posterior funciona como que continuação do anterior, ou, este figura como se fase fosse do iter do delito mais grave).
  9. Por sinal, é exatamente esta a posição de Francisco de Assis Toledo (e o exemplo que ele oferece, aliás, é o mesmo), muito embora o autor tenha deixado de esposar seus argumentos (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 1994, p. 54, § 1º).
  10. Nada impediria, outrossim, para a verificação de relação de progressão criminosa, que um dos delitos fosse culposo e o absorvente, doloso. Seria, por exemplo, a hipótese de quem houvesse imprudentemente atropelado com seu veículo automotor um pedestre, causando-lhe lesões corporais, e logo se determinasse a matá-lo, passando por sobre ele com aquele mesmo meio.
  11. Poderá o julgador, quando da aplicação da pena in concreto, levar em consideração a primeira finalidade ilícita como circunstância judicial agravante, constante do art. 59 do Código Penal, notadamente na apreciação da personalidade do agente, dos motivos, do comportamento da vítima e demais circunstâncias atinentes.
  12. JESUS, op. cit., p. 102, § último.
  13. Tudo aquilo que expusemos acerca da importância da identidade de objeto jurídico e de sujeito passivo, no antefactum impunível, é aplicável ao postfactum.
  14. A não ser que Z deva presumir que a coisa fora obtida por meio criminoso, "por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece", caso em que poderá responder por delito de receptação culposa (art. 180, § 1º, do Código Penal).
  15. Esta não é, entretanto, a corrente jurisprudencial dominante, para a qual (sem muito sentido, compreendemos) o estelionato é o crime consuntivo (Súmula 17 do Superior Tribunal de Justiça), ainda que se saiba que ele figura crime menos grave que o de falsidade de documento público (art. 297 do Código Penal), cuja pena privativa de liberdade varia de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão. Não nos associamos a esse posicionamento pelo ilogismo de se absorver, pelo estelionato, um crime de punibilidade mais intensa e, ainda, porque ambos os delitos são reciprocamente incompatíveis entre si para corresponderem aos anseios da correta aplicação do princípio da consunção, tendo-se em mira que não há entre eles identidade de objetividade jurídica, nem identidade de sujeitos passivos. Em nosso modo de ver, há entre os dois delitos verdadeiro concurso real de normas, segundo nos respalda doutrina da melhor estirpe: MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, vol. 3 (Parte Especial - arts. 235 a 361 do Código Penal), 12ª ed., 1998, p. 241, § último; JESUS, op. cit., vol. 4, p. 43, § 4º; NORONHA, op. cit., vol. 2, 11ª ed., 1976, p. 399, § 1º. Igualmente, a jurisprudência e a doutrina (Manzini, Maggiore, Impallomeni, entre tantos outros) constantes e pacíficas da Itália. Não concordando que haja concurso de delitos, mas ao mesmo tempo refutando a tese de absorção do falsum pelo estelionato, defendendo a consunção deste por aquele: HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, vol. VIII, 5ª ed., 1979, p. 226.
  16. Percebemos que, muito apesar de não se fazer distinção, na terminologia constante do concurso de normas, entre "concurso" e "conflito", é importante ressalvar que não há que se falar propriamente (e tecnicamente) em conflito quando no caso concreto não restam dúvidas quanto ao surgimento de concurso real de normas. Isso porque, veja-se, se há uma pluralidade de infrações e uma pluralidade de normas efetivamente incidentes sobre as mesmas, por que falar-se em "conflito"? Não haveria, isso sim, uma concorrência harmônica entre normas? A resposta a esta vexata quæstio, ao que se crê, é positiva, não se podendo, portanto, atribuir a um concurso real de normas a denominação de conflito. No concurso aparente de normas, nele sim, há conflito a ser transposto, porque elas são, em princípio, potencialmente incidentes, sendo que a hipótese de incidência do tipo penal de uma só delas é que é satisfeita com todas as elementares do suporte fático in specie, entre elas se travando, grosso modo, uma "competição", finda a qual restará a incidência de uma única e só norma penal incriminadora.

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  • TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 1994.





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